Acho que eu não sabia o quanto tinha realmente sentido a falta de Alberto até reencontrá-lo hoje. Falar com ele pelo telefone ou por escrito sempre é bom o bastante, mas nada se compara a estar na presença dele, ouvir sua voz sem o filtro da distância e abraçar a sensação de volta ao lar que ele me traz. Saudade é um sentimento com o qual me acostumei e que forjou a maior parte das minhas defesas emocionais, mas a beleza de saciá-la é algo que provavelmente nunca deixará de me surpreender, por isso, apesar do dia que tive, estou em paz. Embora também esteja exausta.
Estar com Beto me faz muito bem e por isso resisti o quanto pude a nos separarmos, mas eventualmente o cansaço veio com força e me venceu. Sinto-me como se estivesse acordada há uma semana. Não pelas horas que efetivamente passaram desde que o telefonema de Marina me despertou, mas pelo impacto deste dia estranho, que com seu misto de emoções extremas parece não acabar.
Não é tarde agora, a noite está apenas começando e se não fosse minha folga eu ainda teria algumas horas de trabalho pela frente, um fim de domingo típico para mim. Contemplo por um momento o quanto seria bom que este fosse apenas mais um dia igual aos outros, mas apesar de minha ânsia por normalidade, fico feliz por poder voltar para o refúgio de meu apartamento e descansar ao invés de trabalhar, mesmo que Blue não esteja lá para me distrair com sua recepção exaltada e seu amor reconfortante. Meu coração se aperta um pouquinho quando me lembro de que não o verei até amanhã. Em pouco tempo, a casa já se tornou tão plena da presença daquele cãozinho que não consigo mais imaginá-la vazia. Espero que não sinta a minha falta como sinto a dele.
Casa vazia. Ausências. Estou cansada disso também.
Tento me focar no presente e, enquanto estou dirigindo, meus pensamentos se alternam entre coisas importantes e aleatórias. Penso em Beto e Júlia, e em como estão bonitas as árvores floridas no canteiro central da avenida. Penso em almas perdidas querendo fazer mal a Caio de propósito e no cheiro bom que vem da pizzaria de onde sai um entregador apressado em sua moto, passando ao meu lado quando o semáforo fica verde. Penso na pequena Clara, filha de Marina e Fernando, e em como deve ser sua vozinha de criança esperta e feliz, enquanto canto junto com a música que vem do rádio. Penso em mim mesma, por fim. E em Eric. Na inevitável vontade de me fechar em nossa bolha frágil e não sentir mais nada, exceto sua presença em toda parte.
Quero sua voz, seus olhos e suas mãos macias sobre mim. Quero a calma e o caos que se instalam e se alternam quando nos tocamos. E quero não ter que pensar nas coisas que escondemos um do outro, em toda carga que ele deve carregar completamente sozinho e em como nunca parece realmente disposto a me deixar entrar. Quero que as dúvidas sejam apenas suposições distantes e fictícias e que minha vida possa ser simples outra vez. Só que com ele.
Estaciono o carro e entro no elevador mecanicamente, deixando meu corpo executar sem pressa as ações rotineiras enquanto minha mente fica à deriva. Ainda estou pensando em olhos oceânicos quando a surpresa me toma. Em frente ao meu apartamento, como se a força de meu desejo fosse o bastante para trazê-lo até mim, vejo Eric à minha espera. Por um momento, resisto à ideia de que alguma coisa na cena me incomoda e a alegria de vê-lo é maior que a razão, mas então o que quer que esteja me parecendo errado começa a penetrar meus sentidos.
Eric está sentado no chão do corredor, as costas apoiadas na parede ao lado da minha porta e as pernas dobradas diante de si. Seus cabelos estão desalinhados, como se ele tivesse passado os dedos por eles repetidamente, e há uma tensão estranha em sua postura. Quando observo seu rosto com mais atenção, percebo que olheiras ligeiramente escuras contrastam com uma palidez doentia em sua pele e acentuam a profundidade do azul que me encara de volta. Sua expressão é, como sempre, difícil de decifrar, mas pela primeira vez consigo ler sua energia claramente e ela é angustiada e caótica, refletindo a partir dele em todas as direções como se sua alma fosse mesmo o prisma que sempre me pareceu. Vê-lo assim é uma imagem perturbadora e dolorosa. E eu não sei o que pensar. Exceto que de repente me dou conta de que ele não deveria estar aqui.
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Entre a Luz e as Sombras
ChickLitClara é um anjo que vive na Terra com um corpo humano. Um anjo solitário, mas nem tanto. No bar de roqueiros onde trabalha, ela bem que tenta ajudar o próximo e proteger seu coração divino ao mesmo tempo, afinal, já conhece os perigos de se apegar m...