Então nós nos beijamos. E eu não consigo pensar em outra coisa.
Sempre tive esta tendência a pensar demais, mas algumas vezes na vida só o que você pode fazer é se render aos fatos. E o fato é que, desde que pousei meus olhos em Eric, eu soube que havia uma história escrita para nós.
Tem uma coisa que sinto em meu coração quando estou com ele. Um conforto inexplicável. Mesmo quando meu corpo reage ao dele com um desejo desconhecido e assustador para mim. Eu sinto, desde o começo, que ele já estava ali. Que a parte de meu coração que se aquece e se conforta cada vez que Eric se dá a conhecer está, na verdade, reconhecendo-o.
E quando os lábios dele tocaram os meus, foi um gesto de rendição. Foi como se nós dois tivéssemos voltado para casa. E foi tão verdadeiro, tão íntimo e puro, que, desde então, não tenho outra coisa em minha cabeça. Meu corpo se recusa à lembrança de qualquer outra sensação que não seja o carinho de lábios macios e quentes sobre os meus. Minha tez ignora o calor do sol em favor do ardor das mãos sobre minha pele úmida pelas gotas da chuva que caía sobre nós, suave e persistente como a memória daquele toque.
Uma coisa bem evidente para qualquer um que chegue a me conhecer é que quando os sentimentos são muito intensos para mim, do tipo que não consigo empurrar para um canto da minha mente e ignorar até que meu coração possa processá-los, há um único mecanismo de defesa a que recorro. Eu durmo. Muito. Como gente que fica na cama até as quatro da tarde!
Entretanto, não pude dormir essa noite. E isso tem menos a ver com o fato de que passei o domingo quase todo recorrendo ao meu velho remédio — e, portanto, não estava mesmo cansada —, do que com a sensação que me invade vividamente quando fecho os olhos. Ou mesmo com a visão que me persegue quando os abro.
Olhos de oceano.
Quando ele me olhou, com o rosto ainda tão perto do meu que nossa respiração era uma só, eu senti que havia coisas mudando dentro dele também. Como se a intensidade daquele sentimento não fosse algo novo apenas para mim, e nós dois estivéssemos reaprendendo a respirar na atmosfera um do outro, do nosso próprio mundo separado do resto.
Blue, no entanto, está alheio a todas essas coisas. Testemunha involuntária do meu arrebatamento, ele tem questões mais prementes com que lidar. Questões que eu, como sua nova tutora, é que tenho que resolver para ele.
Ontem à noite, quando chegamos, a primeira coisa que fiz foi alimentá-lo. Dei a ele um pouco de leite e o que tinha sobrado de uma refeição minha do dia anterior, já que eu obviamente não tinha ração de cachorro em casa. Não era algo atraente para cachorros, já que não como carne, mas foi o suficiente para que ele ficasse feliz da vida e eu também, por vê-lo satisfeito. Depois o limpei o máximo que pude com um pano úmido, sequei e improvisei uma cama com um lençol velho dentro de uma caixa.
Com o estômago cheio, parcialmente livre dos desconfortos da sujeira e a salvo dos perigos de dormir ao relento, ele descansou quase imperturbavelmente até agora de manhã, mas assim que a vida lá fora retomou seu ritmo, ele despertou junto com ela, descobrindo os detalhes de seu novo ambiente.
Fico observando enquanto ele fareja tudo até que me descobre. "Ah, você é a moça que me tirou da chuva, não é? Obrigado pelo jantar!", é o que seus pulos e lambidas parecem dizer. "Por nada. Obrigada pela companhia", meus afagos respondem. "Vamos brincar", ele completa, sem se importar muito com a coceira insistente que o obriga a parar de minuto a minuto. Preciso dar um jeito nisso. E em todo o resto também.
Então decido levá-lo ao veterinário do bairro, não sem antes dar um banho de verdade nele e localizar todos os pequenos ferimentos que quero que sejam checados. Eu já tinha estado nesta clínica há uns meses, quando dei carona a uma vizinha que precisou socorrer seu gatinho intoxicado por uma planta, e quando vejo o veterinário, Dr. Alexandre, fico contente em me lembrar que ele é experiente, atencioso e gentil.
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Entre a Luz e as Sombras
ChickLitClara é um anjo que vive na Terra com um corpo humano. Um anjo solitário, mas nem tanto. No bar de roqueiros onde trabalha, ela bem que tenta ajudar o próximo e proteger seu coração divino ao mesmo tempo, afinal, já conhece os perigos de se apegar m...