Capítulo 30 - A Esperança é Vermelha

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Há dias que parecem não ter fim. Os minutos que deveriam preencher suas meras 24 horas têm, na verdade, ramificações que se estenderão indefinidamente no futuro. Isso é porque, para o bem ou para o mal, eles também não têm começo. Ao menos não um muito discernível.

O dia de hoje, por exemplo, talvez tenha começado quando encontrei Marina pela primeira vez, mas o mais provável é que tenha sido em outro momento. Quem sabe no instante indiscernível em que, sem perceber, deixei-a entrar em minha alma e fiz dela e de seu filho minha família. Talvez tenha sido aí. Ou em qualquer outro dos dias felizes ou difíceis que passei ao lado deles.

Foram novecentos e vinte e três ao todo. Eu contei. Às vezes posso ser realmente boa em me torturar. Tentei contar os outros também. Quero dizer, quanto tempo se passou desde que os deixei. Mas quando esta conta ultrapassou em muito o resultado da anterior, eu desisti. Até eu tenho meus limites. Mesmo assim, não posso desconsiderá-los. Os infinitos minutos de saudade. Talvez eu nunca saiba ao certo quanto, mas eles têm um peso enorme. E um papel em quem eu sou.

Uma coisa que eu sei, no entanto, é que certamente os dias que não me permiti contar também me trouxeram até aqui. Para este momento em que a decisão é tomada antes mesmo de que eu tenha consciência dela.

— Clara, você e minha mãe se conhecem? Como foi que você ficou sabendo que eu estava aqui?

Minha boca se abre para contar uma mentira qualquer, mas é impossível. As palavras deslizam para algum canto inalcançável de minha mente, porque, em seu lugar, os infinitos minutos começam a correr de novo em minha lembrança. Passando pelo instante em que levantei os olhos do trabalho mecânico que fazia e vi Teo no palco pela primeira vez, até o dia em que descobri quem ele realmente era. E então as imagens se aceleram outra vez e meus pensamentos se congelam no momento mais assustador de minha vida.

"Aconteceu uma coisa."

Por um segundo, antes de saber realmente o que essas palavras pronunciadas entre lágrimas significavam, minha mente imaginou o inimaginável.

Eu perdi você, Caio. Perdi. Você.

Não foi mais que um segundo, mas eu o vivi. A perda. O luto. O estar vazia e impotente. A noção aterradora e definitiva do nunca mais. Eu senti tudo e não posso ser a mesma depois disso. Não consigo. Simplesmente não consigo mais adiar a verdade quando me dou conta de que ela poderia jamais ter a chance de ser contada.

— Sim, nós nos conhecemos — confesso.

Marina adivinha minhas próximas palavras e me olha assustada.

"Agora não", seus olhos parecem dizer. E percebo que ela tem razão. Vê-lo recuperado é a prioridade. E ele vai precisar de todas as suas forças nos próximos dias, não pode prescindir de nada. Como posso pensar em bagunçar a vida dele justo agora? Ou a de Marina e Fernando quando eles mais precisam de paz?

Eu sei que não é a hora, não precisaria ser muito sensível para perceber. É só que não consigo pensar em nada bom para dizer para, mais uma vez, encobrir a verdade.

— Você me pediu para chamá-la — Marina me socorre, lembrando do que tínhamos combinado anteriormente. — Ela e sua outra amiga, a...

— Paty — completo quando vejo seus dedos estralando no ar nervosamente, tentando localizar na memória o nome que só mencionei uma vez.

— Eu pedi? — ele se surpreende, mas não questiona muito. — Poxa, não estou lembrado. Na verdade, está tudo meio bagunçado na minha cabeça.

Entre a Luz e as SombrasOnde histórias criam vida. Descubra agora