Capítulo 31 - Acompanhada

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Marina se diverte com a saída tempestuosa de Paty, dá para perceber, porque Caio não é muito bom em disfarçar seu constrangimento e acaba soltando trechos da verdade quando ela pergunta o que aconteceu. No entanto, ela não insiste nos detalhes, com certeza pretende me perguntar depois.

Ficamos jogando conversa fora por um tempinho, com a ajuda dos assuntos que a televisão do quarto nos fornece, mas logo o horário de visitas termina e sinto que chegou a hora de ir. Minha presença ali já não soa tão natural agora que nosso garoto está alerta o suficiente para fazer perguntas e posso perceber que Marina precisa tirar um cochilo. A enfermeira acabou de vir aplicar um medicamento e Caio já está ficando com as pálpebras pesadas de novo. Quando não houver mais a necessidade de manter tópicos banais de conversa, eles dois vão, provavelmente, cair no sono tão rápido quanto as luzes de um cômodo se apagando ao desligar o interruptor. Espero que eles descansem, apesar do entra e sai necessário de enfermeiros, e a melhor forma de ajudar nisso é deixá-los em paz.

Depois de me certificar de que eles não precisam de nada, faço Marina prometer que não dirigirá se estiver cansada demais e me despeço, pensando que a mim também cairia bem um descanso. Então me lembro do quanto estive ansiosa por ver Alberto e a saudade fala mais alto. Posso descansar depois de vê-lo. Não sou muito de café, mas hoje, graças à necessidade de ficar acordada apesar das poucas horas de sono, tomei o bastante para me manter desperta por um bom tempo ainda.

Ligo para ele antes de dar a partida no carro e minha ansiedade quando ele me explica o caminho do hotel é tanta que quase me perco quando dirijo até lá. Apesar disso, chego em poucos minutos, e sou só uma animação irritante embalada a saudade e cafeína quando pulo em seu pescoço, assim que ele abre a porta do quarto em que está.

— Beto!

— Olá, Estrela Clara.

Ele me abraça apertado e estou tão feliz por vê-lo que demoro uns segundos para notar:

— O quê... O que está diferente?

Alberto suspira. Somos suficientemente parecidos para eu saber que ele ensaiou o que dizer, mas neste momento está descartando todos os preâmbulos e escolhendo a melhor forma de ir direto ao ponto, porque não consegue fazer diferente comigo. Não quando nos conhecemos tão bem.

— O nome dela é Júlia — diz finalmente. E embora eu já comece a adivinhar o que ele tem a dizer, preciso de um tempo para digerir a ideia, então decido protelar o impacto só por uns segundos.

— Oi? — pergunto como se ele tivesse falado grego. Só para poder decidir se estou feliz ou em pânico.

— Entre. Vou te explicar tudo.

Ele me cede passagem e eu entro, sentando-me na cama sem pedir licença, sabendo que ele vai se sentar ao meu lado, apoiar-se na cabeceira e me acomodar em seu peito exatamente como sempre fazemos para matar a saudade. Observo-o chutar os chinelos para longe e sorrir quando me lembro de fazer o mesmo com os tênis que estou usando. Estudo-o enquanto ele também me observa com o mesmo cuidado de sempre e me estende a mão, fazendo todos os gestos de sempre, na mesma ordem de sempre. Se eu não o conhecesse, não notaria nada. Em essência, ele parece exatamente a mesma pessoa. Exceto por aquilo que só eu poderia reconhecer.

— Você renunciou.

— Sim — ele diz simplesmente. E então eu vejo, não preciso de palavras ou respostas, não preciso de perguntas. Ele está feliz.

— Faz alguns meses, mas eu não consegui dizer por telefone. Tive que ver você.

— Mas por quê? Eu nunca te censuraria, nunca...

Entre a Luz e as SombrasOnde histórias criam vida. Descubra agora