Capítulo 13 - Salto de Fé

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Um barulho baixo e contínuo se insinua por meus pensamentos semiconscientes. Estou alerta o bastante para me lembrar de que tenho algo a fazer, mas não para me obrigar a fazê-lo, seja lá o que for. O sono tem dessas coisas. E o que sei é que quero permanecer aqui por mais tempo, neste lugar da minha mente em que as coisas têm sua própria lógica onírica e nada me parece confuso.

Mas o barulho insistente continua. Ele puxa meus sentidos até que me lembro do nome disso.

Telefone.

Começo a abrir meus olhos, ficando levemente ciente de que dormi mais do que devia e de que preciso levantar rápido para ver quem quer falar comigo, porém o telefone para de tocar nesse momento.

Ao meu lado, a tela do celular se acende furiosamente na mesa de cabeceira, mas nenhum som acompanha a luz invasiva. Lembro-me vagamente de tê-lo silenciado antes de dormir, então vejo que há nove ligações pendentes de Paty na tela. Nove. Conclusão: é melhor eu atender à décima rapidinho!

— Alô.

— Levanta já dessa cama e vem pra cá!

Por um momento olho em volta, ainda muito sonolenta para perceber o quanto é ridícula a perspectiva de que Paty esteja no meu quarto. Mas, claro, se fosse assim ela não estaria me ligando pela décima vez, e sim me sacudindo como um tornado furioso.

— Como você sabe que eu estou... estava dormindo?

— Bom, acho que nove ligações perdidas me deram uma pista, né?

— Hum...

— Dois, três, quatro! Anda, garota! Você vai se atrasar!

— Atrasar para quê? Ainda falta muito tempo para nosso horário de entrada, Paty!

— Ai, caramba. Eu sabia. Tinha certeza que você tinha esquecido. Você não prestou a menor atenção quando o Samuel pediu pra gente estar aqui uma hora mais cedo, não é?

— Nossa! A reunião! — disse eu pulando da cama, já perfeitamente desperta pelo peso da minha irresponsabilidade.

— É, amiga, a reunião! O que está acontecendo com você esses dias, hein? Anda com a cabeça na lua!

A "reunião" era o jeito como estávamos nos referindo ao dia de hoje, aquele que sabíamos que ia chegar desde que as suspeitas de Paty se concretizaram e Samuel teve mesmo que vender o bar.

E pelo que Samuel chamava de "vender", sabíamos que era para entender "entregar como pagamento pela dívida de jogo", já que todas as informações sobre nosso novo chefe — que não estávamos nem um pouco animadas para conhecer — nos levavam a crer que ele era o tal para quem Samuel devia, o gringo que ficaria com tudo de "porteira fechada".

Samuel tinha convocado os funcionários uma hora antes do nosso expediente começar para nos apresentar a ele. E disse a todos para ficarmos tranquilos, porque o novo dono queria manter tudo exatamente como era. Restava apenas decidirmos se íamos querer ficar, claro.

Meus colegas — a senhora que trabalha na cozinha e seu assistente, além também dos rapazes que fazem manutenção dos equipamentos de som — estão contentes de poder continuar. Lara também, eu acho. Mas eu e Paty temos nossas dúvidas, porque não sabemos até que ponto as coisas continuarão na mesma. Amamos aquele bar. Demais. E por isso mesmo não sabemos se vamos conseguir aguentar ver as coisas mudarem de um jeito que o descaracterize. Samuel pode ter seus defeitos, mas ele construiu um lugar onde nos sentimos acolhidas, e a mudança nos deixa com medo.

De qualquer forma, mesmo sem a certeza de que irei ficar, e ainda que não esteja a fim de conhecer esse homem que vem perturbar meu refúgio — sim, agora, pensando bem, refúgio é uma boa palavra para definir o que esse trabalho é para mim —, não quero que ele tenha razões para achar que sou uma funcionária ruim.

Entre a Luz e as SombrasOnde histórias criam vida. Descubra agora