Capítulo 20 - Deixe-me entrar

73 6 3
                                    

Sempre achei que a melhor parte de qualquer dia é poder ver alguém sorrir. Em especial quando sou a razão desse sorriso. É um dos meus muitos prazeres secretos, ligeiramente egoístas e vaidosos.

Eric está sorrindo para mim agora e sinto como se as cores do mundo se despregassem de mim, voando em direção ao infinito, e depois voltassem. Mais bonitas.

Estamos jantando juntos em um restaurante japonês, o que deveria incluir, além de comer, conversarmos enquanto o fazemos, mas já não falamos nada há vários minutos. Apenas estamos aqui, sentados de frente um para o outro, tão presos em nosso próprio mundo que é como se conhecêssemos um segredo apenas nosso.

É estranho o quanto eu acho isso confortável.

Há algo de violento na necessidade que as pessoas sentem de enxotar o silêncio e preencher as pausas de quietude com palavras supérfluas, impensadas. É como se não se sentissem seguras sem isso, como se o íntimo de suas mentes pudesse ser invadido e precisasse ser protegido com todo esse ruído branco. E essa é uma perspectiva quase brutal para mim, pensar que o contato entre as pessoas possa se reduzir a apenas isso.

Palavras são coisas lindas, nascidas da necessidade de conexão, forjadas no calor do amor. As pessoas as usam para machucar, para atacar, defender e manipular, mas não foi para isso que elas nasceram. Elas foram feitas para promover vínculos e entendimento. Não deviam ser usadas para afogar o silêncio. Especialmente quando ele também é tão bonito.

Sei que sou uma exceção, mas não sinto essa necessidade de conversas para passar o tempo. Gosto de ficar quieta ao lado dos outros. É mais fácil escutar o que não estão dizendo e, na maioria das vezes, é realmente isso que elas precisam que alguém escute, mesmo que tentem tão arduamente proteger.

Quando estou com Eric, sinto a liberdade e o conforto do silêncio. Não tenho medo do que ele possa ler em mim quando me analisa com seu sorriso cheio de conclusões misteriosas. Nem temo o que se esconde sob as toneladas de águas profundas do oceano de seus olhos.

Eu anseio por isso, na verdade. E gostaria que ele também não temesse o mergulho, embora eu saiba que ainda é muito cedo para ele. Há um longo caminho para nós, e eu nem sei o quanto ele está disposto a segui-lo.

No entanto, agora ele sorri. E isso me basta. Não é o sorriso aberto e espontâneo que eu desejo ver um dia. Não é uma risada, tampouco. É apenas seu sorriso traiçoeiro e malicioso, aquele que temo e amo na mesma proporção.

— No que você está pensando, moça bonita? — É sempre ele quem interrompe nossos silêncios, e eu sou bruscamente puxada de meus pensamentos.

Em minha cabeça, há sempre muitas coisas acontecendo. Então é difícil explicar a ele o que estou pensando. Não é algo que caiba nas poucas palavras de que disponho quando a presença dele transforma tudo em canção.

É isso o que ele é para mim. Música. E tudo o que as palavras não podem dizer.

— Estou pensando que você devia sorrir mais. Eu gosto disso — consigo articular, porque acho que essa era a nota mais alta da sinfonia. O quanto gosto do sorriso dele.

Ele parece desarmado por um instante, pego de surpresa pelas minhas palavras, e o sorriso foge rápida e timidamente de seu rosto. Ele desvia os olhos de mim, mas não é o tipo de pessoa que se deixa tomar facilmente por emoções como essas. Não é surpresa quando ele veste de volta sua expressão lasciva, escondendo-se atrás dela.

— Talvez você não gostasse tanto do meu sorriso se soubesse o que estou pensando por trás dele.

E lá vai Eric usar sua técnica defletora preferida, a de me desconcertar. Estou meio perdida na imagem de lábios se encontrando e estou olhando para todos os lados menos para ele, porque essas coisas que ele me diz me fazem... me fazem...

Entre a Luz e as SombrasOnde histórias criam vida. Descubra agora