Capítulo 22 - Verdade

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Paty passou boa parte da tarde comigo. Almoçamos, passeamos com o cachorro, conversamos mais um pouco... E depois mais um pouco. Sobre todas as coisas insignificantes que nos viessem à mente. Eu tinha me esquecido de como é a cumplicidade descompromissada que se cria com alguém, simplesmente quando se aprecia sua companhia.

Há poucas pessoas no mundo com quem já me senti assim: minha mãe, Beto, Caio e... Marina. Pensar nela ainda faz uma dor silenciosa ferir meus ouvidos, como um zumbido perturbador numa frequência que a audição humana não pode discernir.

Não porque eu esteja magoada com ela. Sempre soube que não seria fácil, sempre soube que seria doloroso. Sua mão contra meu rosto não pesa mais do que os anos que esperei por ela. E eu não me importo com minha própria dor. Não o suficiente para fazer de mim mesma vítima de sua atitude ferida. Ela é como uma gata acuada, sempre foi. Fere quando tem medo.

E é exatamente isso o que dói em mim. Saber o quanto a magoei.

O meu abandono.

Principalmente quando tudo que eu queria era ficar. Especialmente quando o ato de a ferir me abriu como se fosse o outro gume da mesma lâmina. Cega. Cortando desastrosamente o laço entre nós, macerando a confiança dela em mim.

Eu fui embora. Eu a deixei. Não importa o meu porquê, não importa que não tenha sido, de fato, uma traição, outra pessoa em quem ela confiou deixando-a para trás. O que importa é que foi assim que ela se sentiu. A lembrança que ficou guardada é mais realidade para ela do que a verdade, a minha verdade, jamais será. Então, tudo o que me resta é esperar.

Esperar que um dia os olhos dela não estejam tão machucados que ela consiga enxergar nosso caminho de volta uma para a outra. Esperar que um dia ela possa me perdoar. E talvez, se não for pedir muito, que não demore o bastante para que minha dor se torne, para mim, tão importante quanto a dela.

Sinto meus olhos arderem um pouco com a ameaça de lágrimas quando penso assim, no quanto pode demorar, no quanto pode ser que nunca aconteça. Talvez eu me importe... um pouco... ou muito, não sei, com minha própria dor, no final das contas. Ainda bem que momentos depois que isso me ocorre, me pego pensando quando foi que a palavra "nunca" passou a fazer parte de minhas cogitações com relação a Marina, e fico com vergonha de pensar dessa maneira, de ter tão pouca fé nela.

Esperar é o mínimo que lhe devo e é isso que vou fazer, simplesmente respeitar seu tempo e continuar vivendo sem deixar que a expectativa se instale em mim e corroa minhas emoções. Não estou fazendo nenhum favor a mim mesma especulando sobre sentimentos que não são meus. Sei exatamente o que sinto por ela, e sei que isso não vai mudar. Ela é minha irmãzinha, minha menina, minha filha. E eu a amo. É só disso que eu preciso. Aconteça o que acontecer.

Decido não pensar mais nessas coisas, porque eu estava bem enquanto minha mente e meu coração estavam ocupados por Paty, Blue e, principalmente, por ele. Eric. Involuntariamente, meus dedos correm de volta ao papel guardado em meu bolso como um segredo e, ao tocar suas palavras, sinto como se estivesse tocando sua pele.

O simples pensamento me aquece e sinto uma súbita necessidade de mais, de tê-lo por perto de alguma forma, de manter o calor que me embala. Tendo passado a tarde com Paty, eu nem tentei ligar de novo, mas agora, enquanto penso no quanto a voz dele ressuscita partes de mim que eu nem sabia que tinham desaparecido, decido tentar novamente.

Blue abana o rabo em expectativa quando fareja meu ar de determinação súbita, porque parece sempre curioso em relação ao próximo passo, seguindo todos os meus movimentos na esperança de que acabemos na cozinha comendo. Mas quando me sento no sofá com o telefone em uma das mãos, ele simplesmente se senta também e assiste. Com a mão livre, tamborilo de leve com as pontas dos dedos em sua cabeça de pelos arrepiados, enquanto minha determinação começa a falhar um pouco.

Entre a Luz e as SombrasOnde histórias criam vida. Descubra agora