Capítulo 5 - Revelação

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A mãe de Marina não conseguiu sair da escuridão. Às vezes o buraco em que caímos é simplesmente fundo demais.

Ela tentou, agarrando-se com força à esperança de voltar a ser quem era, de encontrar, em meio a seus sentimentos destruídos e lembranças fragmentadas, a essência de quem foi um dia. Mas acho que era como estar perdida num corredor escuro, lutando para abrir a porta certa, quando havia portas erradas demais.

Por trás de uma delas, o resquício de um passado que ainda era perigosamente presente. Havia uma dívida, uma rixa e as pessoas erradas no caminho. E houve o fim.

Não foi lento, nem especialmente sofrido. Foi apenas o desaparecimento, o cessar de uma vida desperdiçada.

Eu nunca consegui, de fato, gostar dela. Sou humana em essência, portanto, o que me define é a imperfeição. Porém, lamentei sinceramente sua morte. É impossível não lamentar quando o fim, ainda que anunciado, interrompe o que poderia ter sido.

Marina sofreu estoicamente o fim de suas esperanças, o término de uma nova história antes mesmo que tivesse começado, mas temo que ela jamais tenha realmente acreditado que seu sonho se realizaria.

Eu fiquei ao lado dela e deixei que sofresse à sua maneira. Acho que, muitas vezes, só o que uma pessoa pode fazer para te ajudar é deixar você sofrer do jeito que escolher. O jeito de Marina foi sofrer calada.

Mas chegou o dia em que a alegria gritou e o silêncio na alma dela teve que ceder. A alegria veio através de um choro de criança. Nosso bebê.

Depois disso, ela voltou a sorrir. Com o tempo, voltou também a estudar e a pensar no futuro. Quando a deixei, sabia que estava também forte o suficiente para amar de novo. Pergunto-me se ela encontrou alguém. Se é feliz e se achou quem a amparasse nas dificuldades que poderiam surgir. Às vezes é tão difícil manter-me afastada! Se pelo menos eu soubesse como ela e Caio estão...

Mas foi melhor assim, não foi? Se eu os procurasse, se os observasse e descobrisse que estavam sofrendo, como poderia impedir a mim mesma de interferir e estragar os planos divinos para eles?

Balanço a cabeça livrando-me desses pensamentos. Dezoito anos se passaram desde então, mas nunca, nunca deixou de doer quando penso neles. E, sabe-se lá por que, ultimamente tenho pensado neles o tempo todo.

Bem, talvez seja porque, há cerca de seis meses, resolvi voltar para a cidade onde nos conhecemos. De certa forma, senti que tinha chegado o momento de estar novamente perto deles, à espera do dia que eu mais tinha desejado, o dia em que os veria de novo.

É, faz sentido, gênio!

E aí está ela! Acho que não contei que tenho um lado malcriado e ligeiramente autodepreciativa, não é? Pois tenho. E mesmo que às vezes isso me faça sentir um lixo, também acho engraçado e acabei me afeiçoando. Vai entender!

Deve ser porque sou sua parte inteligente, penso, mas logo encerro a conversa comigo mesma, porque estou meio ocupada em repor os guardanapos de cada uma das mesas do bar onde trabalho. Além disso, há outras tagarelices à minha volta que me forço a escutar.

— Caramba! Acho que quero ter os filhos dele!

Essa é Paty, minha única amiga e também minha colega de trabalho. E esse é o jeito dela de dizer que achou um homem bonito.

— Ai, Paty, desse jeito, daqui a pouco você será mãe da próxima geração inteira — reclamo mal-humorada.

— Não se ele aceitar casar comigo! — brinca ela, ignorando minha rabugice.

Isso é o que eu mais amo em Paty, o mundo para ela é do jeito que ela quer que seja. É sempre alegre, brincalhona e provocadora, e se você não estiver no clima para isso, azar o seu! Ela é daquelas pessoas capazes de ignorar totalmente as barreiras que impomos para nos proteger dos outros.

Entre a Luz e as SombrasOnde histórias criam vida. Descubra agora