Está muito, muito escuro e eu sei que minha cabeça deveria estar doendo, mas não está. Nada em mim dói, na verdade. Sinto-me onde deveria estar e não tenho medo, estou calma, exceto pela sensação de que o chão está prestes a tremer sob meus pés e se abrir diante de mim, dividindo minha vida. Antes e depois, o pressentimento sussurra pelos cantos.
Você será diferente depois dele. Do terremoto.
Eu me preparo para o que virá e tento descobrir onde estou. É fácil perceber, apesar da escuridão. Meu coração tem estado nestas paredes. Estou no On the Rocks.
Apesar da penumbra, eu sei, com um tipo de certeza inquestionável de sonho, que aquele único cliente sentado em uma mesa, de costas para mim, não está lá para uma bebida.
Exceto por aquele homem, o bar está fechado e vazio e Teo grita meu nome do lado de fora, chamando-me para perto dele. Quero ir, mas sei que tenho algo a fazer antes. Então, me aproximo da sombra encapuzada à minha frente e sua dor profunda, cortante, aguda, quase me joga para trás, mas eu firmo meus pés.
Sobre a mesa estão suas luvas negras e vejo que ele tem as mãos estendidas diante de si, palmas para cima, cobertas de sangue. Primeiro devagar, depois cada vez mais freneticamente, ele começa a esfregá-las em suas roupas, tentando se limpar, e então seu desespero escala a barreira do impossível e ele crava as próprias unhas em sua pele, os dedos de uma mão na palma da outra, tentando se livrar do sangue, mas rasgando-se no processo. Sua respiração está ofegante, irregular, saindo em golfadas dolorosas.
— Pare, por favor — imploro, e nunca senti necessidade mais premente em toda minha vida. — Você está se machucando!
Por sobre os ombros, ele olha para mim e seus olhos são negros como a noite. Não apenas escuros. São dois buracos negros sob suas pálpebras. Íris, pupila, esclera... Tudo imerso em trevas sem estrelas.
— Preciso fazer isso — ele responde, e sua voz também é escura, rasgando talhos de noite pelas paredes. — Se eu não me machucar, vou acabar machucando você.
Teo ainda está lá fora e seus gritos ficam mais desesperados quando dou a volta na mesa para ficar de frente com o homem-noite. Escuto-o esmurrar a porta com força, como se estivesse prestes a derrubá-la, mas não quero que ele entre. É perigoso aqui. E não sei por qual dos dois homens temo mais. Só sei que quero que a Noite pare de se ferir. Preciso que ele pare.
— Então me machuque, não me importo. Quero salvar você.
Em algum lugar longínquo, Paty está cantando e há um cheiro de café e pão fresco que invade meus sentidos, mas não me importo com isso agora. Nem temo por ela, porque sei que só eu a estou ouvindo. No mundo do homem-noite, apenas minha voz ecoa minhas últimas palavras.
Quando as ouve, ele levanta a cabeça surpreso e seu capuz escorrega um pouco para trás. Prendo minha respiração na expectativa de ver seu rosto e só agora percebo o quanto anseio por isso, mas está escuro demais e seus olhos de trevas fazem a luz parecer ainda mais impossível.
Ele inclina a cabeça de lado num movimento mecânico, estranho, quebrado, mas interrompe o que está fazendo e se levanta, contorna a mesa e para diante de mim. Estendo minhas mãos em busca das dele, caídas ao lado de seu corpo enquanto grossas gotas de sangue desmoronam ruidosamente ao nosso redor. Embora não possa ver seu rosto, sinto a energia que ele emana e sei que está confuso, chocado, perdido, porque nunca ninguém o amou o suficiente para oferecer sua vida por ele e sempre foi mais fácil acreditar que ninguém jamais poderia. Mas eu estou aqui e ele parece duvidar que isso seja possível.
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Entre a Luz e as Sombras
Chick-LitClara é um anjo que vive na Terra com um corpo humano. Um anjo solitário, mas nem tanto. No bar de roqueiros onde trabalha, ela bem que tenta ajudar o próximo e proteger seu coração divino ao mesmo tempo, afinal, já conhece os perigos de se apegar m...