XXI

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— Sannie?

O moreno abriu os olhos, confuso. Por incrível que parecesse, não sentia dor. Ele se sentou e olhou em volta, estranhando parcialmente o fato de estar na sua antiga casa, aquela em que havia crescido.

— Mamãe? – Perguntou, ao se deparar com a figura serena que o observava. A mulher sorriu. – O que..? Como eu vim parar aqui?

— Eu cometi um erro terrível, Sannie. Eu sei disso agora. – Sua voz parecia distante, embora estivesse ali, ao lado da cama de San, exatamente como ele se lembrava que ela costumava fazer.

— Não.. Não estou entendendo.

A sua progenitora, então, esticou o braço, e pela primeira vez, o tocou.

San estava de volta a sua rua, observando a si mesmo, de longe. Viu o momento em que o San da sua memória permaneceu quieto e confuso quando se deu conta que sua chave não abria a porta. E viu também quando seu padrasto apareceu, o golpeando para que desmaiasse e o arrastasse pra dentro.

Então o Choi apareceu lá também, quando estava acordando, e desviou o olhar da cena que se seguiu, porque não queria ver, mas sabia o que aconteceria. O espancamento. O abuso. Duas coisas que seriam recorrentes nessa semana do terror que tinha vivido até ali. A percepção de que seu padrasto tinha cortado os meios de contato com o mundo exterior e quebrado seu telefone. Ele se viu no último dia escrevendo outra carta, e lhe cortou o coração lembrar de Wooyoung, porque ele merecia uma despedida, e San queria tanto vê-lo que doía com força no peito. Ele se viu pedindo desculpas para o loiro. E viu o padrasto se enfurecer com isso.

A partir daquele ponto, foi o pior espancamento até então. O pior abuso. San sabia que ia ser a última vez e sequer conseguiu chorar antes da visão escurecer. E aquele Choi que acompanhava de fora viu o padrasto encontrar o kit de emergências. Viu que ele ligou a banheira empoeirada e colocou seu corpo machucado lá dentro enquanto enchia, mesmo com as roupas. Viu quando ele cortou as flores molhadas de amendoeira. Woo. Seu recomeço. Sorriu pequeno quando Wooyoung o encontrou. E o loiro se recusava a soltar seu corpo até Yunho tirá-lo de si para os primeiros-socorros. Viu a ambulância chegar junto da polícia, porque seu padrasto tinha fugido de novo, mas nada daquilo importava, porque ele não podia mais interferir, só queria confortar Wooyoung de alguma forma. Porque San sabia que era a última vez.

— Eu estou cansado, mamãe. – Sussurrou o moreno, quando voltou para o seu antigo quarto, a lágrima escorrendo pelo seu rosto até a mão da matriarca.

— Eu sei, querido.

— E o que aconteceu com você? Por que você está aqui? – San sabia a resposta antes mesmo de terminar de proferir as perguntas. Porque sabia que seu padrasto tinha feito isso depois que ele fugiu de casa. Sua mãe apenas sorriu de leve.

— Vá se despedir de Wooyoung, querido. Eu estarei aqui te esperando e você vai poder descansar.

San assentiu, se levantando da cama. Sentiu os olhos da sua mãe o acompanhando até parar em frente à porta do seu quarto, mas hesitou ao colocar a mão na maçaneta.

— Eu não quero que ele sinta dor, mamãe.

— Eu sei, Sannie. Mas a dor é necessária às vezes para que a gente possa amadurecer. Vá, querido.

Ele girou e puxou a porta, os olhos fechados com força, e deu o primeiro passo para fora.

Choi San abriu os olhos de repente, o corpo sofrendo um leve espasmo repentino, e ele estava cheio de tubos, faixas e curativos. Sabia que estava no hospital. Wooyoung levantou os olhos vermelhos e San não pôde evitar um sorriso pequeno com a visão.

— Sannie..

— Não, escuta.. – A voz arranhava e doía falar. Seu corpo todo doía agora que estava no mundo real, em decorrência dos inúmeros ferimentos e ossos trincados e partidos. – Eu sinto muito, por tudo. Por fazer você.. Sentir dor. Eu sinto muito. Eu preciso que você saiba que a minha vida, tudo isso.. Tudo isso valeu a pena depois que eu conheci você. Obrigado por querer me ajudar.

Wooyoung não estava entendendo.

— Eu sou muito grato por esse tempo com você, Wooyoung. E eu não queria mais morrer, mesmo, eu não queria morrer, mas eu preciso descansar agora, tá bem? – San sussurrou, um pouco sem fôlego. Viu os olhos do loiro lacrimejarem a dor do entendimento do que tudo aquilo queria dizer.

— Eu amo você, Sannie. Eu amo muito você. – Respondeu no mesmo tom, recebendo um sorriso dolorido.

— Eu amo muito você, Woo.

Wooyoung queria ter evitado tudo isso. Ele queria ter pedido para que San ficasse, mas não podia ser egoísta. E por tudo que era mais sagrado, ele tentou manter o controle, mas chorou toda a raiva e dor que sentia quando San fechou os olhos e o barulho contínuo da máquina ao lado da cama preencheu seus ouvidos. Segurou a mão do moreno com força contra o peito, e chorou como se o mundo estivesse ruindo, porque estava mesmo, e ele só queria ter conhecido o Choi em outras circunstâncias, em outra vida, porque doía. As flores molhadas de amendoeira estavam cortadas ao meio.

E Choi San estava morto.

woosan; 「casa 77 」Onde histórias criam vida. Descubra agora