Acordo?

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Helena praticamente voou até seu carro estacionado na garagem e dirigiu o mais rápido que pode até chegar em casa e se sentir segura. Ela segurou o volante sob as mãos trêmulas. Já tinha chego, agora só queria falar com... Tateou a bolsa, a procura do celular. Isso. Falar com Gabriela seria um bálsamo, um acalento para sua alma.

Com os dedos, ela tateou o fundo do tecido. E quando não achou o que procurava, abriu a bolsa clutch e jogou tudo no banco do carona.

Ela balançou os pertences, separando o batom da carteira e a carteira do espelho, e o espelho de uma série de quinquilharias que nunca usava, mas por alguma motivo sempre levava.

Helena tinha esquecido seu celular no quarto do homem.

Inspirou e expirou. Uma. Duas. Três vezes. Segundo Gabriela, se chegasse até o dez, estaria mais calma. Mas não, só conseguia pensar naquele bendito homem que a usara e que agora estava com seu celular.

Fechou as mãos em punhos e socou o volante. Raiva entorpecia seus músculos ao mesmo tempo que os queimava. Todo aquele peso dos últimos meses voltando como um turbilhão: o luto que ainda não havia se permitido passar, o maldito testamento, o casamento, aqueles olhos verdes que a fascinaram e a fizera querer morrer de raiva.

O barulho da buzina ressoava enlouquecido no estacionamento. Então parou, e o silêncio a atingiu. Agora sim poderia respirar calmamente. A raiva se dissipando morosamente, aos poucos indo para bem longe, como deveria ser.

Ela levantou a mão e segurou o espelho retrovisor, movendo-o para mirar em si. Ajeitou os cabelos, checou os olhos arregalados e saiu.

Assim que abriu a porta de sua sala, foi até o sofá e se sentou, se inclinando um pouco para pegar o telefone fixo ao lado. Ela discou o número da amiga e esperou chamar.

- Hel, está tudo bem? – Ela podia imaginar a expressão preocupada de Gabi. – São quase seis da manhã... - Mas não, não estava nada bem. E como poderia começar a contar tudo pelo que passara? Pelo menos Gabriela sabia metade da história, então não teria que falar do fatídico testamento novamente. – Aconteceu alguma coisa? Seu silêncio está me assustando.

- É... Na verdade, aconteceu. Fiquei com um cara e ele me pediu em casamento.

Uma longa pausa na linha.

- Você o ama? – Gabriela perguntou. Helena soltou um riso de escárnio.

- Como posso amá-lo se acabei de conhecer ele?

- Nossa...Que estranho. Então por que ele pediria você em casamento? – Definitivamente a amiga tinha sido tão lerda quanto ela para entender o que se passara. Mas com o mesmo estalo que tinha dado em si, como uma peça de lego finalmente encaixada, um gemido de nervoso ressoou pela linha. – Ai meu Deus. Como ele pode saber disso?!

- Leandro.

- Oh... sim. Só podia ser ele.

- E para piorar, meu celular ficou no apartamento dele.

Outro gemido pesaroso da amiga. Mas tudo bem, compraria um novo telefone. Aquele com o qual estivera por três anos já se mostrava defeituoso com seus travamentos incessantes.

- Eu só não entendo por que o Lê poderia suscitar esse assunto agora. Você não havia dito que renunciaria à Herança?

Ela tinha dito? Bem... acho que não. Mas o silêncio dela enquanto a aceitação já dizia tudo, com certeza, como uma aceitação tácita. No entanto, Helena sabia bem como o irmão poderia ser cabeça dura. Talvez esse fosse exatamente o plano dele desde o início. Aquele mesmo, fadado ao fracasso.

Pedaços do Meu CoraçãoOnde histórias criam vida. Descubra agora