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Notei a sisudez em sua feição assim que terminei de fazer a pergunta. Acabei ficando um pouco tensa. O que deu em mim em perguntar aquilo? Mas era algo que eu queria saber, eu precisava saber o motivo de ele não ter me matado ali mesmo no pé do paredão. Era quase que insuportável ter que ouvir burburinho sobre a lei deles, que eu deveria estar morta ou castigada de uma forma bem cruel.
Continuamos a caminhar calados, passamos por algumas mulheres que conversavam que logo levantaram o rosto ao ver Nightwolf, mas ele continuou sem dar atenção. Fiquei apreensiva, pois ele não havia me respondido a pergunta. Será que ele ia ralhar comigo? Ou mandar me bater?
Entramos na tenda e o meu olhar começou a procurar por Raposa. Foi em vão, ela não estava. Aproveitei a oportunidade, deixei o livro em uma mesinha, voltei-me para Nightwolf e perguntei:
- Não vai responder minha pergunta?
Ele voltou o seu olhar para mim, mas era um olhar diferente, como se estivesse perdido.
- A resposta é... um pouco longa.
- Como longa? – dei uma olhada lá fora e voltei a olha-lo – Eu só queria saber o motivo de você não ter me matado naquela noite.
- E você não é grata por isso? – ele perguntou cruzando os braços e olhando para os lados - Pensei que a gratidão lhe seria o suficiente.
Nightwolf estava me enrolando para não me responder, isso era nítido, mas nunca fui uma pessoa de desistir fácil. Cruzei os braços, arrumei meu cabelo fazendo um coque e falei:
- Tem alguma coisa que eu tenho que te impediu de me matar.
- Sim, tem. – respondeu lacônico.
- O que é então?
Ele se sentou em uma cadeira próxima, pegou um vaso pequeno e ficou brincando com ele. Parece que ele estava procurando uma resposta crível para me dar. Depois de alguns instantes voltou o olhar para mim e respondeu:
- Esperança.
- Esperança? – perguntei atônita.
- Sim, eu vi a esperança de uma mudança em você. Por isso... eu deixei você viva. Prefiri que se tornasse escrava ao morrer.
O índio voltou seu olhar para o vaso, de novo aquele olhar desnorteado. Eu podia notar que não era a resposta, mas sim uma desculpa e ele faria de tudo para que eu aceitasse. Eu ia perguntar outra coisa a ele, mas Raposa adentrou na tenda e sorrindo ao ver o filho logo foi ao seu encontro fazendo-o levantar.
- Como você está?
- Bem, mãe. – disse ele abraçando-a - Um pouco cansado.
Ela se virou para mim e perguntou:
- Trouxe o que te pedi?
Me virei para trás, peguei o livro de capa verde e entreguei nas mãos dela. Ela sorriu, agradeceu com a mão sobre a minha e complementou:
- Pode voltar ao que estava fazendo.
Anui com cabeça, peguei a rede que tinha deixado na tenda e voltei a fazê-la ali mesmo. Pude ouvir Nightwolf perguntando o que eu estava fazendo. Resolvi então concentrar a minha atenção no que eu estava fazendo. Dei uma olhada para frente para vê-los e fiquei sem reação quando vi Nightwolf vindo em minha direção. Dei uma pausa e depois continuei traçando rápido os fios. Eu podia ouvir sua respiração e percebi que ele havia se agachado para ver o meu trabalho com mais detalhes. Senti o perfume dele novamente um pouco mais forte que outrora. Eu queria olhá-lo e ver com mais detalhes o seu rosto próximo ao meu, mas decidi fitar nos fios que estavam se juntando harmonicamente pelos meus dedos.
- Tenho uma escrava artesã. – ele falou se sentando no chão ao meu lado – Onde você aprendeu?
Me senti um pouco incomodada com a palavra escrava, mas levei o elogio em consideração.
- Aprendi vendo outras mulheres fazendo.
- Você faz como se tivesse anos em experiência nessa arte – ele falou pegando um pouco do trabalho que fiz – só não entendo o motivo de você não ser tão boa em cozinhar.
Provavelmente Puma comentou com ele sobre o meu defeito e eu ainda pensava no motivo de eu ser tão ruim nisso. Era minha mão que era torta demais ou era o medo de contaminar a comida? Resolvi nem olhar para Nightwolf e respondi:
- Eu estou tentando.
- Vou respeitar seu tempo.
Em seguida ele se levantou e foi caminhando para a porta da tenda. Voltei meu olhar para ele e pude perceber o quanto ele estava cansado, provavelmente ia tomar banho no rio.
Fiquei feliz com aquela aproximação e percebi que, mesmo não muito presente, Nightwolf sabia de tudo o que estava acontecendo comigo. E comecei a pensar no motivo que ele tinha me dito por não ter me matado. Esperança. Ele tinha esperança, sem contar com Raposa, ele era o único que tinha fé que eu não me tornaria um lixo como meu primo se tornou. Isso me deixava feliz, de certa forma.
Me dei conta que eu estava sozinha na tenda e nem percebi que Raposa havia saído enquanto eu conversava com Nightwolf. Fiquei trançando um pouco mais pelo menos para deixar a rede a metade feita. Então me levantei e saí da tenda. O sol estava ardido, mas dava para ficar fora por um tempo. Senti alguém puxar meu braço, era Puma.
- Procurei você a manhã toda pela aldeia.
- Eu estava junto com Raposa.
- Ela tem cuidado bem de você quando Nightwolf está longe. Deve estar te dando alguns conselhos também.
- Raposa sempre fez isso. Estou me esforçando para seguí-los.
- Bem, acho que não tem sido fácil para você fazer isso. Vendo a forma como você veio...
Eu não estava crendo que ela estava, depois de um bom tempo, me alfinetando daquela forma. Enquanto ela me ensinava a cozinhar vivia me jogando indiretas e eu sempre aguentava calada. Então cruzei os braços e a interrompi:
- Puma, sinceramente eu não estava com saudades das suas indiretas.
- Do que está falando?
- Eu sei muito bem de onde venho e estou fazendo um esforço para não voltar ao que eu era, para dar o que você merece.
- Não gosta de ouvir verdades?
Eu ia responder quando ouvi a voz de Nightwolf responder por mim:
- Já chega, Puma!
Notei o susto que ela levou, acho que não esperava isso de Nightwolf.
- Desculpe eu só estava...
- Sei o que estava fazendo. – disse ele atrás de mim pousando suas mãos em meus ombros.
Puma mordeu os lábios, pediu licença e foi em direção onde estava as outras mulheres. Nisso virei para Nightwolf, ele de regata e calça jeans sem o colete. Seus braços fortes pareciam mais evidentes e pude notar que ele havia acabado de tomar banho, pois eu podia ver a pele e cabelos ainda um pouco molhados.
- Vamos almoçar. Depois vou te levar pra conhecer a floresta aqui próxima.
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Estranhos Pássaros
FanfictionDepois de anos morando com a tia, Stella passa a morar com seu primo, manifestando assim seu desejo de entrar num a espécie de facção criminosa. Ela é então desafiada a roubar alguma relíquia da tribo nativa dos Matoka. Mesmo com seus dotes de lad...