A lua e suas lembranças

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Terminei de lavar as roupas. Provavelmente, era próximo das seis da tarde, pela coloração do céu. Coloquei as roupas em uma bacia e subi para a tenda, fui por trás e estava prestes a colocar as roupas em um pequeno varal improvisado por mim há alguns dias. Então, lembrei-me do caldo que eu tinha que fazer para Nightwolf. Como não queria deixar nada para depois, resolvi estender todas as roupas que tinha na bacia naquele varal. Eu já havia pegado certa agilidade quanto a essa tarefa, por isso foi até rápido. Coloquei a bacia dentro da tenda e fui fazer o caldo. Sorte que eu consegui lembrar toda receita, por ser bem simples. O que me deixava encantada por Nightwolf é que ele tinha uma posição tão importante naquela aldeia, mas era amante das coisas simples.

Fiz o caldo com muito cuidado no tempero. Testei várias vezes até ficar com um gosto agradável — pelo menos para mim estava. Coloquei o caldo numa cuia e saí da tenda à procura dele, mas não o vi em lugar nenhum.

Um receio de levar o caldo frio para Nightwolf foi tomando conta de mim, e, para infelicidade minha, tive que ir até Coiote para saber se ele tinha notícias de Nightwolf. Ele estava próximo de um pessegueiro, lixando a lâmina de seu tomahawk. Eu não sabia como chegar nele, por diversos infortúnios num passado não muito distante. Criei coragem, respirei fundo, pousei a mão em seu ombro e o chamei. Ele se virou e, ao me ver, fez cara de desdém, colocou o tomahawk no chão e perguntou de supetão:

— O que você quer?

Engoli seco e perguntei, evitando um pouco de contato visual:

— Sabe onde está Nightwolf? Procurei-o por toda aldeia e não o encontro.

Ele olhou de um de um lado para o outro e disse:

— Com certeza está sentado em algum rochedo na direção oeste — olhou para o caldo. — É para ele?

— Nightwolf me pediu que eu fizesse — respondi, colocando a cuia próxima a mim.

Falcão olhou com certa desconfiança e disse:

— Vou acompanhar você.

— Não precisa, eu sei o caminho — respondi, dando as costas para ele.

Imagino como Coiote ficou furioso, mas eu estava a fim de ir só. Eu sabia onde era aquele rochedo que ele havia falado, Nightwolf me mostrou outrora. Consegui andar por aquele caminho sem tropeçar, graças à luz da lua, que estava linda naquela noite. Cheguei e vi Nightwolf sentado à beira de um penhasco não muito alto e só, admirando a lua.

— Que bom que chegou, Estrela — ele disse, sem virar para trás.

— Como sabe que sou eu? — perguntei, aproximando-me dele.

Nightwolf se virou para mim e respondeu:

— Primeiro pelo aroma do caldo e segundo porque conheço seus passos.

— Uau! — exclamei, entregando a cuia em suas mãos e sentando ao seu lado. — Não é à toa que você tem esse nome. Seus sentidos são mesmo aguçados.

Ele segurava a cuia com cuidado, apreciando o cheiro do caldo. Em seguida, provou, degustando lentamente.

— Hmmm, está do jeito que eu gosto.

Eu sorri e perguntei:

— Não está fazendo isso apenas para me agradar não é?

— Claro que não, Estrela! Está divino.

Fiz uma vênia e falei:

— Fico grata pelo elogio.

Ele tomou mais um gole e falou sorrindo:

— Eu sabia que seu talento para a cozinha um dia ia aparecer.

Enquanto ele tomava o caldo, fiquei admirando a beleza daquele céu. Fez-me lembrar da noite em que eu havia tentado roubar as relíquias. Descobri, naquele momento, que eu não havia perdoado a mim mesma por tamanha infâmia, por isso eu sentia certa angústia no peito toda vez que lembrava disso.

— Foi numa noite como essa que vim parar aqui.

Nightwolf terminou de tomar o caldo, aproximou-se mais de mim e disse, ainda olhando para a lua:

— Não foi à toa que você veio parar aqui.

— Por que diz isso? — perguntei, olhando para ele.

— Você me ajudou com que eu me perdoasse do que fiz com o meu povo.

Nightwolf voltou o seu olhar para mim, tirou uma mecha que estava sobre meu rosto e sorriu. Aquele sorriso me fazia derreter, meu coração ardia do mais puro amor e toda aquela situação me fazia sorrir também. Coloquei a mão no seu coração. Estava acelerado, e aquilo me deixava com mais certeza que aquele amor não era unilateral. Ele colocou sua mão na minha e nossos rostos ficaram próximos novamente. E, aos poucos, ele foi se aproximando mais, assim, deixei que os seus lábios se encostassem com os meus devagar. O luar caia sobre nós, e eu desejei de todo o meu coração que aquele momento durasse para sempre. Naquele momento, eu não tinha dúvidas: eu o amava de verdade.


Nightwolf partiu tarde da noite. Soube assim que acordei, mas já com um aperto no coração por causa da saudade. Eu estava disposta a ir com ele se fosse necessário, mas mal ele falava sobre esse lugar, imagine me levar para lá. De certa forma, eu tinha que me conformar, pois eu percebia em seu olhar que aquela missão era muito importante para ele e eu não poderia impedi-lo de cumpri-la.


Os dias se passaram e sem notícias dele. Nenhuma mensagem, nenhum sinal, nada. Aquilo me angustiava, pois agora era mais profundo o que sentíamos um pelo outro, a saudade era mais intensa que o normal e era justamente por isso. O que eu pedia para Deus é que ninguém notasse o que eu estava sentindo, pois não queria tornar público — pelo menos por enquanto — o nosso envolvimento. E eu nem sei se Nightwolf queria isso. Mas, uma hora ou outra, tudo viria à tona e seria inevitável que todos soubessem.

Era uma tarde fria. *Estava, eu, indo pegar uns frutos próximos do rio, quando Raposa veio até mim. Ela logo notou que eu estava um pouco cabisbaixa.

— Está com saudades dele, não é? — ela perguntou, trazendo-me um cesto para ajudar na colheita.

—Acho que a senhora também está — respondi, sem olhar.

— Mas vejo que é algo diferente agora.

— Por que está dizendo isso? — Parei o que está fazendo e olhei para ela.

Ela respirou fundo e respondeu:

-— Nightwolf sempre ficou fora, e você nunca ficou assim...

— Não deixei que notassem — falei, tentando disfarçar. — Acho que, como estamos mais unidas, a senhora conseguiu notar melhor.

Voltei ao que estava fazendo. Raposa continuava me olhando desconfiada e dava a impressão que ela queria ler ou estava lendo minha mente.

— Bem, vou preparar o fogo para preparar o doce.

Antes que ela saísse da minha presença, chamei-lhe. Ela se voltou a mim.

— Diga.

Umedeci os lábios e perguntei:

— Que lugar é esse que Nightwolf tem que ficar dias fora da aldeia e não é acompanhado por ninguém?

Percebi que ela estava à procura de alguma resposta pelo olhar vago que deu. Colocou os longos cabelos para o lado e respondeu:

— Acho melhor você perguntar para ele quando voltar.

Em seguida, ela deu as costas para mim e subiu para a aldeia. Raposa, com certeza, sabia que lugar era esse, mas não queria me dizer. Incrível como as pessoas gostavam de fazer isso comigo, e como isso me irritava. 

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Estranhos PássarosOnde histórias criam vida. Descubra agora