Capitulo 11

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Wisty

        Está frio. Tão, tão frio.

        Estou enrolada em cobertores, mas me sinto como um pedaço de carne pendurado em um caminhão frigorífico: congelada até o osso. O ar tem gosto de velho e reciclado, e não consigo levantar a cabeça para ver a sala melhor.

        Minha visão ainda está um pouco embaçada, mas percebo uma silhueta ao meu lado. Sinto um arrepio, a adrenalina sobe com tudo até minha cabeça e meu corpo dá o alerta: Estranho. Sala escura e claustrofóbica. Tantas pessoas querem que eu morra. Cadê meu irmão?

        Aperto os olhos para tentar focar a visão.

        “É só uma criança, que alívio.” Os olhos dela estão grudados em mim, e ela abre um sorrisinho naquele rosto sujo; tem uma beleza estranha e, por um segundo, penso que pode ser um anjo.

        De repente, vejo o brilho da faca que está em suas mãos.

        Tento me afastar dela, mas meu corpo não me obedece. Eu me sinto paralisada. Tento gritar por socorro, mas só sai um gemido rouco de minha boca, que parece mais um gargarejo. A criança ergue uma sobrancelha para mim, surpresa.

        “Estou drogada”, penso. “Ela me drogou e agora vai me abrir com aquela faca.”

        Ela vem em minha direção. Sem saber o que fazer, agarro as cobertas em pânico e com tanta força que os nós de meus dedos ficam brancos. Um choramingo escapa pelos meus lábios.

        — Relaaaaxa — a menina diz, e seus olhos redondos e cinzentos, a centímetros de meu rosto, são quase hipnóticos. Ainda estou com medo, mas me acalmo na hora em que ela se senta de pernas cruzadas no chão, ao meu lado, e começa a talhar uns pedaços de madeira, a ponta da faca refletindo a luz tímida de uma única vela. Tento diminuir a velocidade do sangue que vai até o meu cérebro, e, um minuto depois, ela olha para mim de novo.

        — Ah, até que enfim você acordou! O pessoal estava apostando que você morreria antes de o dia nascer, sabe? — ela diz, como se fosse algo supernormal de se dizer.

        Fico encarando a menininha mórbida, não sei o que pensar dela.

        — Quando Whit trouxe você para cá, ele disse que não sabia quanto tempo você duraria. Mas, graças à minha ajuda, você conseguiu.

        — Como...? — Eu dou uma tossida, e então começo de novo. — Como você conhece meu irmão? — Minhas cordas vocais estão roucas pela falta de uso, e minha voz sai mais como um guincho que uma ameaça, que era minha intenção.

        A menina olhuda não está se sentindo ameaçada. Ela fica resmungando por uma eternidade, enumerando tudo o que sabe sobre meu irmão e eu, diz que nossos rostos estão colados em todas as paredes da capital, mas não consigo me concentrar naquela tagarelice.

        Meu coração fica apertado quando ela chega à parte sobre nossos pais, que estão mortos de verdade, mas estou muito anestesiada pelo frio para processar as informações e descrições animadas que a menina faz dos enfeites mortais do Feriado, da cura pela poesia e do sanguepelas ruas.

        Minha cabeça começa a girar. Eu me sinto acabada, como se todo o sangue, a energia, o poder... e a magia tivessem sido sugados de meu corpo. “Minhas mãos estão azuis”, só consigo pensar nisso. Se eu pudesse me esquentar um pouco e usar minha magia, daria um jeito em tudo.

        — Venha aqui um minutinho — eu coaxo, interrompendo o discurso da menina.

        Devo soar muito maluca, porque a menina me olha como se não fosse se aproximar de mim por nada neste mundo.

        — Ah, vai! Quer que eu tussa um pouco de sangue em você? Venha aqui e me ajude a sentar.

        Ela se aproxima com toda a relutância do mundo e cobre as pontas dos dedos com panos sujos para não tocar em mim. Não estou nem aí. Se vou morrer mesmo, talvez consiga me aquecer um pouco primeiro.

        Aponto para a lareira e noto o olhar cético de minha acompanhante. Sinto uma pontinha de raiva, aquele calorzinho familiar. É o bastante. Um fogo animal começa a queimar na lareira, e chamas de 1 metro aquecem instantaneamente a sala úmida.

        — Aí, sim! — solto um gritinho de vitória. Não estou totalmente recuperada, mas minha magia está voltando.

        A menina fica impressionada.

        — Uau! — ela diz, tão boquiaberta que fico mais orgulhosa do que deveria por causa de um foguinho de nada. — Você é uma bruxa mesmo.

        — E uma bruxa assustadora, menininha — Abro um sorrisinho satisfeito, apesar de já estar caindo de novo nos panos sujos, exausta. — Sorte sua não ter usado aquela faca.

        A menina sorri.

        — É para talhar gravetos. Eu não ia cortar nem picar você. — Seus dedos dançam sobre o cabo da faca. — Afinal de contas, é o Feriado.

Bruxos e Bruxas - O FogoWhere stories live. Discover now