Capitulo 15

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Wisty

        Não tem luz e lá fora a ocupação dos soldados da Nova Ordem continua a atacar o povo. Dentro do cafofo dos Neederman, porém, à luz de velas, o espírito do Feriado nos aquece a alma... e faz muito tempo que Whit e eu sentimos algo vagamente parecido com um calor espiritual.

        Mama May abre aquele sorrisão para nós e bate num balde para avisar que a comida está pronta. Um burburinho animado se espalha pela sala.

        — Vamos, vamos! Todo mundo se achegue — Mama May nos chama, toda empolgada. — Teremos uma comemoração muito especial do Dia do Banquete esta noite. Vamos comer uma coisa que faz quase um mês que não comemos: carne.

        O grupo comemora e os membros famintos da família Neederman formam um círculo no chão, olhando para cima, na expectativa.

        Mama May mostra dois pombos, não muito bem depenados e mirradinhos como pardais. Parece até que outra família já fez outro banquete com eles. Arregalo os olhos para Whit.

        — Que delícia, Mama! — Pearl diz com autoridade, e todo mundo concorda baixinho, educadamente.

        Mama May beija o cocuruto de Pearl e começa a cortar os pássaros. Eu sei que deveria estar agradecida e sei também que deveria honrar a tradição deles, mas vejo a tristeza e a fome naqueles olhos grandes e cinzentos, naqueles rostos magros e cansados, e simplesmente...

        “Não. Aguento.”

        Começo a dizer alguma coisa, mas Whit coloca a mão em meu braço e faz que não com a cabeça. Ele está meio esquisito e de mau humor desde que voltou da rua. Ele estava mancando e sangrando, e não quis me contar o porquê. Na verdade, ele mal trocou uma palavra com o pessoal esta noite. Estou quase falando para ele que ele está acabando com o espírito do Feriado, mas de repente... ele faz uma coisa maravilhosa.

        Com uma virada do pulso do meu irmão, ganhamos pãezinhos bem fofos e encharcados de manteiga, e purê de batata cheio de creme de leite. Um peru gigantesco domina o centro do círculo, e o creme de milho se espalha sobre os pratos cheios de vagens.

        E as tortas. Maçã, abóbora, noz-pecã. Eu comeria só torta pelo resto da vida.

        As crianças falam todas ao mesmo tempo, e os adultos parecem chocados demais para acreditar. Olho para Whit toda animada, mas ele não está sorrindo. Ele está de olho em Pearl, que ainda tenta cortar aquele pombo duro e seco em seu prato, com aquele bico que ela sempre faz.

        Ninguém se mexe para tocar em nada antes da autorização de Mama May, e dá para ver que Whit está tão nervoso quanto eu.

        O rosto redondo de Mama brilha, a luz das velas dança em seus olhos e seu sorriso largo me acalma.

        — Nem sei dizer o quanto isso significa para nossa família. Já perdemos tanta coisa... — Ela olha para as crianças de rostos magros e respira fundo. — Só quero que vocês saibam que esse é o melhor Dia do Banquete que já tivemos.

        Penso nos Feriados de antigamente, tinha comida que eu nem experimentava e ganhei presentes de que nem me lembro mais. Procurava sempre uma desculpa para deixar a família de lado e ir fazer outra coisa. Aperto a mão de meu irmão.

        — É o melhor que já tivemos, também — sussurro.

Bruxos e Bruxas - O FogoWhere stories live. Discover now