Whit
Saí hoje cedo com a aparência de Brandon Michael Hatfield de novo, ainda eufórico com o milagre da recuperação de Wisty e confiante o bastante para convencer os cidadãos ricos e devassos da capital da Nova Ordem a jogar esmolas para mim, pelo menos o suficiente para mostrar aos Neederman meu agradecimento. Mas, depois de três horas na esquina de um distrito empresarial, recebi umas moedinhas de nada e estou perdendo as esperanças.
De repente, me ligo que não tem muito trânsito faz um tempo. Esta manhã, porém, rebanhos de homens de negócios passaram por mim (aliás, nem perceberam minha presença, com aqueles olhos de paisagem). Agora, quase hora do almoço, quando minha esquina deveria estar cheia de gente, não tem quase ninguém.
Olho de relance ao meu redor e me dou conta de que, a não ser pelo homem da barraquinha de lanches, que está com a maior cara de tédio, sou a única pessoa no quarteirão. Um jornal passa voando pela rua, como nos filmes. A rua está tão quieta que daria para ouvir até um grilo cantando por aqui.
Fico de pé, um pouco nervoso. Estou no centro, no lugar mais frenético e comercial da capital. Será que eu estava tão ocupado sentindo pena de mim mesmo que nem percebi como as coisas ficaram estranhas por aqui?De repente, ouço uma risada lá do outro lado da rua e, de canto de olho, vejo dois homens bem vestidos e animados entrando numa rua lateral. Curioso, vou atrás deles a passos lentos e deixo meu cartaz de papelão no chão.
Ao dobrar a esquina e entrar no beco, me sinto totalmente despreparado para encarar o que acabei encontrando.
O cheiro me pega primeiro.
Aquele cheiro. Um fedor de dar ânsia, de carne queimando e pelo chamuscado, fica no ar com a fumaça preta.
Tusso, meus olhos se enchem de água. É quase insuportável.
De início, não entendo de onde o cheiro está vindo. Apenas vejo um grupo de cidadãos da Nova Ordem — a maioria deles pessoas de negócios impecavelmente vestidas, com roupas sociais bem cortadas e saltos altíssimos — gritando com toda a alegria do mundo e, pelo jeito, fazendo uma festinha na hora do almoço.
E então vejo aquilo, a coisa que todo mundo está rodeando. No centro, pendurado em um poste, está o que parece ser um grande pedaço de carne, ainda queimando. À primeira vista, não consigo identificar aquela forma carnuda e empretecida. Minha mente não consegue fazer a ligação entre um ser humano vivo e aquilo.
De repente, vejo um tufo de cabelo ainda agarrado ao crânio. Minha cabeça começa a girar.
Não é uma festinha; eles estavam queimando uma bruxa.
Minha garganta fica seca, paraliso de tanto terror. Tinha ouvido alguns boatos, mas nunca imaginei que pessoas como essas existissem de verdade. O que quero dizer é que os homens e asmulheres que formam o grupo à minha frente, a galera do “lincha!”, parecem tão normais. Seguidoras da N.O., sim. Mais ricas que a maioria, com certeza. Porém, ainda se parecem com as pessoas que você vê todos os dias na capital, que têm família, trabalham e que ainda têm um fio de compaixão, com certeza.Até você ver o vazio nos olhos delas.
Quem vai saber quem era a coitada dessa mulher ou se tinha mesmo algum tipo de magia? A Nova Ordem, com suas faixas em vermelho vivo que cobrem a Superfície, se alimenta do desejo de sangue.
Essas pessoas são as filhas dela.
Consigo, enfim, enfocar a realidade e meu coração começa a bater forte. Dou um passo trôpego à frente, espumando de ódio, decidido.
— Parem! — berro, o que foi incrivelmente inútil. O que mais eu poderia dizer?
Cheguei tarde demais, claro.
Então, um medo profundo e gelado envolve meu coração e me tira o fôlego. Os gritos que ouço agora não pertencem à mulher; são gritos de guerra de uma multidão que ficou louca da vida. Eles estão se virando. Aquelas pessoas delirantes estão de costas para os restos queimados da pobre alma amarrada ao poste.
E estão olhando para mim.
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Bruxos e Bruxas - O Fogo
Teen FictionVocê pensou que seria um conto de fadas? Whit e Wisty Allgood sacrificaram tudo para liderar a Resistência contra o regime sanguinário que governa o mundo. O líder supremo, O Único Que É O Único, baniu tudo o que havia de bom: livros, música, arte e...