Capitulo 17

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        — Ela não é mesmo especial? — O Único Que É O Único diz ao homem que está atrás dele, com os olhos ainda grudados na pequena tela. — Enquanto os outros apodrecem por causa da peste como ratos no esgoto, o Dom prevalece.

        O jovem protegido do Único suspira e anda para o outro lado da sala; seus coturnos de soldado polidos ecoam pelo chão de metal. Ele é mais alto que baixo, não passa dos 17 anos, e sua postura ereta e seus lábios finos e azedos são sinal de que teve uma educação muito rigorosa e em casa de gente muito rica. Seu sorriso deslumbrante e convincente e seus dentes brancos e retos fazem dele um pôster vivo da Nova Ordem limpa e otimista. Com cabelo louro quase branco escovado para trás, olhos de um azul pálido e quase transparente, e maçãs do rosto bem pronunciadas, ele parece ser feito de vidro: transparente e sem cor. Lindo, mas durão. Frio. O nome dele é Pearce.

        Pearce observa fileiras e mais fileiras de telões de vigilância que se acendem na torre de controle, mostrando cada esquina da capital. Com um toque da ponta dos dedos, O Único pode incinerar qualquer um dos jovens que aparece nas telas. E é isso que ele faz muitas vezes, por esporte, em tardes de puro tédio.

        Mas agora a atenção do Único está focada em um monitor diferente, um que mostra uma cena do outro lado da capital.

        Pearce olha por cima do ombro do Único para o grupo de indivíduos sujos, que distribuem velas em um cômodo minúsculo, frio e úmido. A menina está lá, a escolhida tão preciosa do Único, de pé entre eles.

        Viva.

        Pearce acompanha o olhar do Único para o fogo que queima no canto da sala.

        — Não é nem uma faísca — o soldado diz, cheio de desdém.

        — Ah, mas o poder que uma única faísca tem! — O Único sorri, encantado. — Você não achou tão fácil assim, se me lembro bem — ele observa.

        Quando Pearce permanece em silêncio, cheio de raiva, O Único pigarreia.

        — Mas tenho que confessar que estou ficando impaciente — ele diz com a voz leve, como se estivesse fazendo um comentário sobre o tempo ou sobre o número de mortes entre os civis. — Será que não fui claro o bastante quando disse que queria que ela fosse capturada?

        — O esquadrão e os vira-latas estão indo em busca deles — Pearce responde, indiferente.

        O Único aperta os lábios.

        — Ah... Então você contratou idiotas completos para fazerem um trabalho que eu pedi especificamente para você fazer?

        Pearce passa os dedos pelos cabelos, frustrado. O problema é que se aproximar de Wisty Allgood provocava um mix de emoções dentro dele; bem ele, que não está acostumado a sentir emoção alguma.

        — Mas não podemos simplesmente matar essa menina? — Pearce sugere. As palavras saem de sua boca antes que ele possa engoli-las. O Único ergue uma sobrancelha, e Pearce vê que pisou na bola. — Seria mais fácil e mais rápido — ele tenta explicar. — Sem a existência do Dom, não há ameaça alguma. Teremos todo o poder do mundo.

        O Único se levanta e encara Pearce como se estivesse vendo o menino pela primeira vez. Seu rosto se transforma em uma careta azeda. E então, sem uma única palavra, O Único dá um tapa com tudo no rosto de Pearce. O tapa faz com que o menino cambaleie para trás e deixa um talho na maçã do rosto alta e esculpida dele, onde o anel pontudo do Único, que tem a insígnia da Nova Ordem, pegou. Sangue pinga no chão em pontos de exclamação vívidos e brilhantes, mas Pearce não grita nem chora; ele mantém sua mandíbula travada, desafiadora. Afinal, em sua vida tão curta, já enfrentou coisa muito pior.

        — Acho que você desenvolveu algum tipo de gagueira, menino. Você quis dizer que eu vou ter todo o poder do mundo, não é? — O Único diz com calma. — E não vejo uma grande ameaça, na verdade. Para mim, é mais como um joguinho interessante de que estamos participando.

        E, então, O Único dá as costas para Pearce, como quem diz “se manda”, e volta a olhar para a tela. Pearce sente uma fúria familiar esquentar suas orelhas e bochechas, e essa fúria desce para as pontas dos dedos.

        Só há uma pessoa no mundo que ele odeia mais que a bruxa.

        O jovem soldado estende a mão para O Único. Se ele for forte o bastante, se ele tiver essa habilidade, não terá oportunidade melhor na vida. Mais um centímetro ou dois e ele consegue tocar naquela cabeça careca e lisa, e vai ficar assistindo à pele descascar do crânio e o corpo cair no chão.

        Sua mão treme, ele hesita.

        O Único se vira para ele, ao mesmo tempo em que Pearce é puxado para cima com tudo, como se estivesse sendo enforcado por algo invisível.

        — Apressadinho você, não é? — O Único dá uma risada maluca. — Já está pulando para o “Game Over”?

        Pearce balança as pernas, levitando a centímetros do chão, e seu rosto fica cada vez mais vermelho e inchado.

        — Você não faria isso — ele se esforça para dizer.

        Os olhos Technicolor do Único dançam com pura maldade enquanto ele ergue Pearce com seu laço invisível.

        — Como você sabe muito bem, querido menino, eu faria quase tudo para educar aqueles que ainda não compreendem completamente minha autoridade.

        Pearce olha para além do Único e quase consegue ver as montanhas de cumes brancos a distância, rindo de sua cara. O domínio do Rei Mago. Ele jamais deveria ter saído de lá.

        Quando está prestes a perder a consciência, Pearce cai no chão, de repente, como um saco de batatas.

        — Agora — O Único diz baixinho, se aproximando dele. — Traga. A. Menina. Para. Mim. — Seus olhos faiscantes brilham, ameaçadores. — Por favor.

        Pearce recupera a respiração aos poucos e se levanta do chão com esforço. Ao ganhar suacompostura de volta, ele bate continência, se vira rapidamente e dá passos com toda a confiança que lhe restou em direção à porta.

        — E, Pearce? — O Único diz quando o jovem está quase saindo da sala. Pearce para debaixo do batente da porta com os nervos à flor da pele. — Lembre-se de quem fez de você o que você é. Se quiser voltar para as montanhas, posso tirar cada molécula de poder que dei a você.

        O corpo de Pearce fica rígido, mas ele não se vira. Ele toca a bochecha e vê que ainda está molhada de sangue. Mordendo a língua para não gritar, ele se endireita, limpa a mão na maçaneta e sai em busca de Wisty Allgood.

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⏰ Last updated: Nov 19, 2014 ⏰

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Bruxos e Bruxas - O FogoWhere stories live. Discover now