— Ela não é mesmo especial? — O Único Que É O Único diz ao homem que está atrás dele, com os olhos ainda grudados na pequena tela. — Enquanto os outros apodrecem por causa da peste como ratos no esgoto, o Dom prevalece.
O jovem protegido do Único suspira e anda para o outro lado da sala; seus coturnos de soldado polidos ecoam pelo chão de metal. Ele é mais alto que baixo, não passa dos 17 anos, e sua postura ereta e seus lábios finos e azedos são sinal de que teve uma educação muito rigorosa e em casa de gente muito rica. Seu sorriso deslumbrante e convincente e seus dentes brancos e retos fazem dele um pôster vivo da Nova Ordem limpa e otimista. Com cabelo louro quase branco escovado para trás, olhos de um azul pálido e quase transparente, e maçãs do rosto bem pronunciadas, ele parece ser feito de vidro: transparente e sem cor. Lindo, mas durão. Frio. O nome dele é Pearce.
Pearce observa fileiras e mais fileiras de telões de vigilância que se acendem na torre de controle, mostrando cada esquina da capital. Com um toque da ponta dos dedos, O Único pode incinerar qualquer um dos jovens que aparece nas telas. E é isso que ele faz muitas vezes, por esporte, em tardes de puro tédio.
Mas agora a atenção do Único está focada em um monitor diferente, um que mostra uma cena do outro lado da capital.
Pearce olha por cima do ombro do Único para o grupo de indivíduos sujos, que distribuem velas em um cômodo minúsculo, frio e úmido. A menina está lá, a escolhida tão preciosa do Único, de pé entre eles.
Viva.
Pearce acompanha o olhar do Único para o fogo que queima no canto da sala.
— Não é nem uma faísca — o soldado diz, cheio de desdém.
— Ah, mas o poder que uma única faísca tem! — O Único sorri, encantado. — Você não achou tão fácil assim, se me lembro bem — ele observa.
Quando Pearce permanece em silêncio, cheio de raiva, O Único pigarreia.
— Mas tenho que confessar que estou ficando impaciente — ele diz com a voz leve, como se estivesse fazendo um comentário sobre o tempo ou sobre o número de mortes entre os civis. — Será que não fui claro o bastante quando disse que queria que ela fosse capturada?
— O esquadrão e os vira-latas estão indo em busca deles — Pearce responde, indiferente.
O Único aperta os lábios.
— Ah... Então você contratou idiotas completos para fazerem um trabalho que eu pedi especificamente para você fazer?
Pearce passa os dedos pelos cabelos, frustrado. O problema é que se aproximar de Wisty Allgood provocava um mix de emoções dentro dele; bem ele, que não está acostumado a sentir emoção alguma.
— Mas não podemos simplesmente matar essa menina? — Pearce sugere. As palavras saem de sua boca antes que ele possa engoli-las. O Único ergue uma sobrancelha, e Pearce vê que pisou na bola. — Seria mais fácil e mais rápido — ele tenta explicar. — Sem a existência do Dom, não há ameaça alguma. Teremos todo o poder do mundo.
O Único se levanta e encara Pearce como se estivesse vendo o menino pela primeira vez. Seu rosto se transforma em uma careta azeda. E então, sem uma única palavra, O Único dá um tapa com tudo no rosto de Pearce. O tapa faz com que o menino cambaleie para trás e deixa um talho na maçã do rosto alta e esculpida dele, onde o anel pontudo do Único, que tem a insígnia da Nova Ordem, pegou. Sangue pinga no chão em pontos de exclamação vívidos e brilhantes, mas Pearce não grita nem chora; ele mantém sua mandíbula travada, desafiadora. Afinal, em sua vida tão curta, já enfrentou coisa muito pior.— Acho que você desenvolveu algum tipo de gagueira, menino. Você quis dizer que eu vou ter todo o poder do mundo, não é? — O Único diz com calma. — E não vejo uma grande ameaça, na verdade. Para mim, é mais como um joguinho interessante de que estamos participando.
E, então, O Único dá as costas para Pearce, como quem diz “se manda”, e volta a olhar para a tela. Pearce sente uma fúria familiar esquentar suas orelhas e bochechas, e essa fúria desce para as pontas dos dedos.
Só há uma pessoa no mundo que ele odeia mais que a bruxa.
O jovem soldado estende a mão para O Único. Se ele for forte o bastante, se ele tiver essa habilidade, não terá oportunidade melhor na vida. Mais um centímetro ou dois e ele consegue tocar naquela cabeça careca e lisa, e vai ficar assistindo à pele descascar do crânio e o corpo cair no chão.
Sua mão treme, ele hesita.
O Único se vira para ele, ao mesmo tempo em que Pearce é puxado para cima com tudo, como se estivesse sendo enforcado por algo invisível.
— Apressadinho você, não é? — O Único dá uma risada maluca. — Já está pulando para o “Game Over”?
Pearce balança as pernas, levitando a centímetros do chão, e seu rosto fica cada vez mais vermelho e inchado.
— Você não faria isso — ele se esforça para dizer.
Os olhos Technicolor do Único dançam com pura maldade enquanto ele ergue Pearce com seu laço invisível.
— Como você sabe muito bem, querido menino, eu faria quase tudo para educar aqueles que ainda não compreendem completamente minha autoridade.
Pearce olha para além do Único e quase consegue ver as montanhas de cumes brancos a distância, rindo de sua cara. O domínio do Rei Mago. Ele jamais deveria ter saído de lá.
Quando está prestes a perder a consciência, Pearce cai no chão, de repente, como um saco de batatas.
— Agora — O Único diz baixinho, se aproximando dele. — Traga. A. Menina. Para. Mim. — Seus olhos faiscantes brilham, ameaçadores. — Por favor.
Pearce recupera a respiração aos poucos e se levanta do chão com esforço. Ao ganhar suacompostura de volta, ele bate continência, se vira rapidamente e dá passos com toda a confiança que lhe restou em direção à porta.
— E, Pearce? — O Único diz quando o jovem está quase saindo da sala. Pearce para debaixo do batente da porta com os nervos à flor da pele. — Lembre-se de quem fez de você o que você é. Se quiser voltar para as montanhas, posso tirar cada molécula de poder que dei a você.
O corpo de Pearce fica rígido, mas ele não se vira. Ele toca a bochecha e vê que ainda está molhada de sangue. Mordendo a língua para não gritar, ele se endireita, limpa a mão na maçaneta e sai em busca de Wisty Allgood.
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Bruxos e Bruxas - O Fogo
Teen FictionVocê pensou que seria um conto de fadas? Whit e Wisty Allgood sacrificaram tudo para liderar a Resistência contra o regime sanguinário que governa o mundo. O líder supremo, O Único Que É O Único, baniu tudo o que havia de bom: livros, música, arte e...