1º Ano

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Não sei se comemoro ou surto com o fato de que irar morar em outra cidade, só sei que não consigo te tirar da minha mente, titio.

Continuação...

O jantar na pizzaria foi desconfortável, para dizer o mínimo. Sua esposa direcionava olhares desconfiados em minha direção, meus pais ainda brincavam sobre minha vergonhosa reação e meu tio, céus, meu tio parecia fingir que eu não existia. Meus movimentos eram mecânicos, corta, abre a boca, mastiga, engole e repete tudo novamente. Não falei uma palavra, não levantei o olhar em momento algum, só observava o que acontecia com olhadelas rápidas.
Sarah, sua bela mulher, monopolizou a conversa divagando sobre a linda história de vocês, com direito a explicações minuciosas para a felicidade ( infelicidade, no meu caso) de todos. Adicionava algumas observações, sorria e distribuía carícias nela, com meus pais enchendo-os de perguntas sobre o que fizeram durante o período que estiveram fora, ouvindo tudo com um lindo sorriso, daqueles de quem realmente se alegrava de estar compartilhando esse tempo juntos com a família.
Enquanto vocês conversavam, abri minha cópia do livro 'O menino do pijama listrado' no celular e comecei a ler. Entretida, somente notei que estavam falando comigo quando fui tocada no ombro pelo meu pai, chamando minha atenção de volta à mesa.

- Nossa filha, o que você está vendo de tão interessante que deixou a gente de lado?. Pergunta minha mãe e, de primeiro momento, não consegui segurar um olhar descrente em sua direção, ora eu que fui esquecida durante a conversa e ainda levo um pito.

- Me desculpe mamãe, eu estava lendo enquanto vocês conversavam. Embaraçada pela situação, desliguei o celular, com minhas bochechas queimando de vergonha voltei o olhar para minhas mãos e me calei.

- Que modos são esses Alice?. Seu tio volta para casa depois de anos fora e você se comporta desse jeito?. Essa não foi a educação que te dei. Diz minha mãe, me deixando desconfortável, e sinto que estou prestes a chorar.

Fungo e tento pensar em alguma coisa que segure as lágrimas mas, parece que não seria possível já que minha mãe não parecia satisfeita em me repreender.

- Agora vai chorar?. Jesus Alice, você é sensível demais. Dispara com as palavras um pouco emboladas. Este é um defeito de minha mãe, quando bebe se torna uma pessoa sem filtro e as vezes maldosa em seus comentários.

Sinto meu nariz formigar tentando, sem sucesso conter meu choro, mas já era tarde. Peço licença e corro para o banheiro chateada. Entro numa cabine livre e me sento, acalmando minhas emoções estranhando como meus sentimentos estavam voláteis. Levo um susto quando escuto a voz de Sarah me chamar atrás da porta, quando abro, percebo pena em seu olhar e não sei se gosto do que vejo, não quero que ela pense em mim como uma fraca, uma menina chorona.

- Querida, sua mãe bebeu um pouco a mais e, tenho certeza de que não era intenção dela te magoar. Diz enquanto aperta meu ombro num gesto de conforto.

- Eu sei Sarah, é que hoje estou mais sensível que o normal, acho que minha menstruação está próxima. Tento achar uma justificativa para meu choro que não seja fragilidade de minha parte.

- Querida, não precisa me chamar de Sarah, pode dizer tia. Quando termina de falar, posso jurar que vi um sinal de ciúmes em sua expressão, como se quisesse deixar claro com quem era casada.

- Ah Sarah, quer dizer, titia eu vou levar um tempo para me acostumar, espero que não fique chateada. Declaro a encarando, percebo que minha mágoa com minha mãe ficou esquecida pois algo me deu coragem de me posicionar, ainda não tenho certeza por que, mas sinto que não posso ficar quieta.

- Claro florzinha, eu te lembrarei sempre que esquecer. Sorri cinicamente, indo até a pia se arrumar no espelho.

Depois dela sair, também sigo até o espelho e observo meu reflexo. Meus olhos estão vermelhos pelo choro, mas o que me chama atenção é minha expressão firme e percebo que está claramente tentando controlar a situação estranha entre meu tio e eu, porém ela não vai me intimidar. Volto para a mesa, todos me olham enquanto eu sento de volta na cadeira. Minha mãe aparenta remorso, como sempre acontece depois de seus ataques, meu pai parece triste por ter que passar por esta situação, sua esposa parece tranquila enquanto acaricia seu cabelo sedosos e meu tio me observa atentamente, seus olhos prendem os meus, como se estivessem tentando comunicar-se em silêncio comigo. Sinto sua preocupação e, discretamente, faço um sinal de que está tudo bem. Não sei se o que te fez reagir deste jeito era pelo o que aconteceu com minha mãe ou por ter ficado a sós com sua esposa. Sem conseguir evitar, acabo sorrindo para ele, o que o faz sorrir de volta para mim e, novamente, ficamos presos numa bolha particular, ambos perdidos, tentando desvendar o que estava acontecendo. Sarah chama o garçom, seu tom acima do normal nos assusta, involuntariamente. Sua atenção volta para ela já eu observo como aparenta sentir-se culpado e noto o jeito que ela fecha a cara, nitidamente emburrada. Depois de pagar a conta, seguimos até nossos carros. A despedida é afetuosa, Sarah parece fingir felicidade ao abraçar e beijar meus pais. Sua expressão muda quando se vira para mim, semicerra seus olhos e me abraça apertado quando me solta, belisca meu braço me encarando atentamente.

- Até mais florzinha, cuidado com suas emoções, elas podem te colocar em apuros. Declara com acidez enquanto da tapinhas na minha cabeça.

- Pode deixar Sarah, quer dizer tia, eu vou aprender a controlar minhas emoções. Digo com semblante sério, meu olhar preso ao dela.

Percebo que meu tio nos observa com cautela, mas não interfere, Sarah desvia o olhar e volta para seu lado. De longe dou um aceno, viro o rosto e sigo para perto dos meus pais afim de aguardar nossa saída. Todos entram em seus carros, enquanto voltamos para casa seguem para o hotel que estavam hospedados. Partiriam na manhã seguinte com as visitas a outros parentes, antes de se estabelecerem em sua nova casa, numa outra cidade. Minha mente permanecia confusa com o que estava havendo afinal, eu nunca tinha vivenciado este tipo magnetismo com outra pessoa, parecia anormal essa conexão que sentia. Estava mais impressionada com meu comportamento firme com sua esposa, ao que parece meu subconsciente já estava decidido que você pertencia a mim.
Não voltaríamos a nos encontram por um bom tempo mas, eu tinha certeza que não conseguiria te tirar dos meus pensamentos como também sabia que não sairia dos seus, titio.

Você é meu, TitioOnde histórias criam vida. Descubra agora