E consigo ouvir o seu expirar, sinto a sua mão fria a arrepiar-se com o toque da minha quente, dos seus movimentos fracos ao adormecer como se me deixasse sozinho no mundo sombrio. Olho para o céu e pergunto-me sobre ele.
Se existe o céu - e todos os humanos erram - deve ser por isso que dizem que é algo desejado, algo complicado, algo difícil. Ter alguém com a vida limpa é complicado - como se a vida fosse um corredor com codernadas e petiscos pelo caminho, como se o céu podesse mesmo existir.
E se o céu for maravilhoso por apenas por não existir?
E se o inferno serve para as pessoas viverem o passado com a alma na terra enquanto o céu é um lugar onde se perde a alma, a dor, o desespero e a tristeza.
Deixando apenas existente um corpo.
Eu assim desejo o céu.
Mexo os dedos na sua palma e espero que a sua respiração seja ouvida mas não ouço nada, suspiro e olho-a sério, beijo os seus lábios á espera de a acordar mas o seu corpo continua na mesma posição, de olhos fechados e os seus lábios carnudos a formar um sorriso escondido do seu ar adormecido.
- Rose? - chamo.
Silencio.
- Rose? Rose!
A respiração acelera e grito de novo o seu nome e as pessoas que caminhavam pelo parque iam acomulando nas margens do rio a observar-me desesperado por não ter resposta. Os meus olhos tornam-se vidrados e agaicho-me ao seu lado e enrolo os meus broços á volta do seu corpo.
- Rose, não me deixes - murmuro.
***
Como o respirar pode ser tão desejado por alguém, talvez eu desejo mais que ela volte que ela mesma, mas eu apenas não sei como reagir ao saber que ela talvez estaja em coma.
Ou mesmo morta.
***
Possivelmente as pessoas viam-me como apenas um rapaz vestido por completo de negro, com um ar melancólico, pálido que nem cal, olhos vidrados e claros como um drogado e cabelo loiro claro.
Sou informado que não posso visita-la, e isso magoa-me mas como já estava tão abatido que nem notei diferença e sento-me na cadeira ao lado da porta azul escura que me separa de Rose.
Deva estar habituado a isto, que o mundo é um mar de rosas.
Sim, ele o é.
E porquê não abrir a porta?
Ninguém vê-me e os que conseguem ver-me possivelmente estão de efeito de drogas que os médicos usam para desativar a dor. Entro no quarto com medo do que possa ver, mas não podia ser algo mais bonito.
Rose continuava com o sorriso escondido da sua cara séria e o seu cabelo negro estava ondulado e volumoso chamando à atenção pelas cores claras que o rodeiam: a pele dela, a almofada, os lençois e ainda a luz que a iluminava.
Sento-me na cadeira que antes estava afastada da sua cama.
E olho a sua mão.
Eu amava que ela sentisse o calor da minha mão a aquecer a sua, eu sei que ela está bem, eu sei que nada lhe falta mas a mim... Falta-me tudo.
Quem é o invejoso aqui?
Eu - quero que ela acorde e fique comigo para eu voltar a esquecer todas aquelas merdas?
Ela - quer nunca mais acordar e deixar de sentir todas estas merdas?
Encosto a cabeça á sua almofada e sinto o seu cheiro, o cheiro da bata branca com pintas azuis que lhe teram vestido.
Ouço o seu batimento cardieco pela máquina e suspiro a observar as nossas mãos, a minha bem agarrada á sua e a sua sem forças para se fechar.
Entra o médico, assusta-se pela minha presença mas sorri e vai apontando no bloco algo a haver com medicina.
- Vou deixá-lo ficar. É bom ela ter alguém nestas alturas difíceis.
- Como assim? - questiono.
- Senhor...
- Lucas.
- Senhor Lucas, a menina Rose desmaiou por não ter inspirado oxigênio - faz uma pausa - O cancro no cérebro afinal não aumentou, como nós tinhamos esperado, o que é um alivio.
- Cancro no cérebro ? - pergunto por mais.
- Aconteceu-lhe o idêntico à mãe. Primeiro foi nos pulmões. E com as falhas de oxigénio, um aparece no cérebro. E este maroto apareceu já há muito tempo...
Olho para ela.
- Não dá para tirar o pulmão com cancro? - questiono revivendo o que passei com a minha mãe.
- Não, a menina Rose apenas tem um pulmão. Ela já teve em tratamentos, pelo seu diagnóstico foi de lá que surgio o cancro e depois passou para o cérebro, na área do sistema nervoso, mais especificamente.
Um pulmão?
Cancro.
Ela a lutar pela vida até o fim.
E eu com a vontade enorme de fumar.