1 | ᴅᴇsᴇsᴘᴇʀᴏ

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M E E R A

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M E E R A

Os ventos álgidos sopravam com fereza, chocando-se contra minha pele.

Minhas mãos trêmulas de frio agarravam o saco de lixo, arrastando-o sobre o asfalto. A ânsia apoderava-se de cada centímetro de meu corpo, corroendo parte de mim, pouco a pouco. Minhas pernas balançam e falham à cada suspiro dado; puxar o oxigênio de meus pulmões é uma batalha na qual cedo minha trégua aos poucos. As ruas vazias e solitárias deixavam em mim um medo imenso. O que poderia acontecer comigo, uma jovem de 20 anos andando sozinha?

No entanto o que eu poderia fazer para evitar isso? Preciso desse emprego, ele é o único meio de conseguir manter a mim e a minha irmã. Quando a necessidade bate a porta, todos os desejos são deixados a deriva. Mesmo tendo que andar duas quadras para deixar o lixo, enfrentando o perigo que são as noites escuras de Detroit, é algo necessário.

Aceitar a proposta de emprego nessa boate foi, certamente, a pior decisão que já tomei. Por mais que as calçadas sejam silenciosas, o aroma da desconfiança ainda permeia meu nariz. Meus olhos observavam atentamente cada canto, mesmo sabendo os mínimos detalhes do local, ainda pressinto o receio, principalmente por causa dos crimes constantes da cidade.

Larguei o saco no interior de uma caçamba enorme. Ao dar de costas, ouvi baixos grunhidos, similares aos de gemidos, na esquina ao lado, a poucos metros de mim. Não dei à ínfima importância, afinal, não deve ser algo além de um rato ou gato procurando o que comer. Entretanto, à medida que meus pés davam seus passos, o som aumentava gradualmente, de uma maneira que despertou em mim uma imensa curiosidade, pois, em minha mente, aquilo não era apenas um rato ou qualquer outro animal.

Meera, que droga é essa?

À proporção que me aproximava, percebi os rangidos em um volume maior e, ao chegar mais perto, constatei que não lidava com um animal. Nunca que esse murmúrio seria um animal, era outra coisa. Mas o quê?

O que faço aqui? Isso realmente é problema meu? Qual à razão de dar tamanha importância? Recuei para trás, sussurrando para mim mesma que não é nada, e que está tudo bem. Desequilibrei minhas passadas, tropeçando em meus próprios pés, não caindo por um triz. Tive um arrepio ao ouvir um grito desafinado e eufórico, proveniente do quarteirão. Não era um grito de susto, era de desespero, como se buscasse ajuda, como se sua vida estivesse em perigo. Eu precisava descobrir o que era. Por mais que estivesse apavorada, não conseguia fingir que algo de estranho não acontecia. Caminhei devagar, reclusa, vasculhando com o olhar cada particularidade do espaço.

Ao olhar para o chão de tijolos, pude ver uma trilha de... sangue, que se direcionava até algumas sacolas de lixo, que formavam uma enorme pilha. O odor era horrível, quase impossível de inalar de tão fétido. Segui os vestígios de sangue, titubeante, notando minhas pernas falharem e um enorme amargor percorrer meu estômago, numa sensação de mil borboletas voando. Ao achegar-me, os plangores cessaram de modo repentino. Questionei à mim mesma se o que ouvi foi real, ou apenas um blefe.

O SoberanoOnde histórias criam vida. Descubra agora