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Eu me lembro detalhe por detalhe, mas depois de um tempo isso parou de me machucar.

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- vamos?- Roni estava com um sorriso de orelha a orelha, feliz demais pro meu gosto.

- por favor- falei entrando todo molhado no carro.- que felicidade é essa?- Roni ligou o carro.

- digamos que eu esteja namorando- ele sorriu.

- tá, eu não estou muito a par da sua vida mas fico feliz por você-
Forcei um sorriso, eu estava feliz por ele e muito, mas me arrependo de não tê-lo abraçado.

- não vou perguntar oque aconteceu pra você estar triste assim porque você não vai querer falar, mas espero que as coisas melhorem maninho!- ele deu um soquinho no meu ombro.

- está certo-

- eu tenho uma coisa pra te contar- ele parecia pensativo e arrependido ao mesmo tempo.

- desembucha- falei sem paciência.

- você tem que prometer que não vai surtar, tem que jurar que não vai ficar puto ou triste-

- fala logo, estou me irritando ainda mais-

Essas foram minhas últimas palavras, antes de desejar a morte mais que tudo.
Eu não sei bem como explicar, mas eu senti um impacto forte e vi uma luz forte ao lado de Roni, um grito saiu da minha boca e eu me segurei no banco, o carro rodou no ar e eu senti e ouvi meus ossos da perna se quebrando, Roni me olhou, olhos grandes e bem abertos, ele estava vivo naquele momento e algumas lágrimas saíram dos seus olhos, ele sorriu fraco mesmo sofrendo e eu segurei sua mão com as últimas forças que me restavam.

- tem que me deixar ir, eu estou tranquilo -disse por fim, apertando minha mão, até eu acordar no hospital.

- Cãina?- o médico passava uma pequena lanterna nos meus olhos pra ver se eu conseguia seguir, alguns médicos colocavam aparelhos no meu corpo todo e uma médica media minha pressão.

- são irmãos? -Um médico perguntou para a que media minha pressão.

- sim, parece que ultrapassaram o sinal vermelho, estavam discutindo pelo que parece-

- Roni- minha voz saiu fraca, quase não saiu.

- calma, ele está desacordado mas vamos fazer pressão- o mesmo médico disse me olhando bem de perto.

Começaram a dar choque no peito dele, seu corpo pulava sem vida e eles continuavam dando os choques.

- Roni!- gritei chorando estendendo a mão até a mão dele.

- tenta de novo- o médico disse.

- 1,2,3 - e dava os choques enquanto eu chorava.

Os médicos pararam, guardaram o aparelho e puxaram a maca.

- não! Vocês tem que tentar de novo, por favor, é o meu irmão!! Roni!-nossas mãos se soltaram, assim como nossas almas.

E foi assim que ele morreu, segurando minha mão e sem esperanças de voltar, ele estava feliz e aquela não era a hora dele, eu acho que foi uma morte injusta e que ele não merecia, talvez seja mais uma morte pela qual eu devesse me culpar, meu pai não vai conseguir olhar na minha cara e minha família desaba, com um castelo de areia feito perto demais do mar. Ela desaba como eu, vendo o corpo sem vida do meu irmão, sendo levado para um necrotério, para ser aberto e ter seus órgãos retirados. Eu segurei forte o anel que por sorte havia tirado de suas mãos ainda quentes, antes de tirarem ele de mim. Eu observava as luzes passando embaçadas no teto, enquanto chorava segurando firme o anel perto do peito, de alguma forma ainda o mantendo junto a mim.

Eu estava sozinho, sem mão, sem irmão e sem a presença do meu pai, Alice com toda a certeza não vai querer estar perto de mim, e Henrique não vai olhar na minha cara.
Eu perdi todo mundo, e talvez fosse minha culpa, pelo menos era oque eu pensava a todo momento naquela cama de hospital, com a perna pra cima e curativos na testa e na bochecha.

Sem o sol, a lua, apenas com as luzes elétricas no teto, talvez ninguém me queira por perto agora, e talvez eu merecesse ter morrido no lugar de Roni.

É um fato:

A vida está sempre levando as pessoas que nós mais amamos de forma repentina e assustadora, arrancando um membro nosso a cada círculo de vida que se fecha.
É como um rito de passagem, temos sempre que deixar algo para trás e aprender com a perda, eu não me lembrava da minha mãe e ainda assim sentia a dor da perda dela, pois eu sabia que nunca a encontraria e nem a veria na minha vida, eu me arrependo de não ter ido atrás do meu irmão quando nos afastamos e de não ter convivido mais com ele, mas nós compartilhamos uma dor, dentro daquele carro em frangalhos, ele sentia a dor de partir e eu sentia a dor de ter que deixa-lo partir, e talvez por esse motivo eu fosse mesmo egoísta, pensando apenas na minha dor e não na dele.

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