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Crush Supremo: um termo usado quando você gosta de algo, mas gosta de outro algo ainda mais, eu não sei se nessa época eu tinha isso por pessoas, mas eu sei que as vezes preferimos algumas de nossas fases, do que outras que não foram nada agradáveis, talvez a fase que eu viva hoje enquanto conto a você essa história seja a fase pela qual eu tenha um Crush Supremo.

*

Eu vi meu pai chorando na beirada da minha cama por três semanas, ele chorava por me ver naquela situação, e chorava por ter perdido um filho.
Vi Henrique e Alice conversarem com a enfermeira sobre o meu estado, e os vi também orando por mim juntamente com o meu pai enquanto eu fingia estar dormindo.
Foram semanas estranhas mas mesmo triste eu me sentia calmo, eu não conseguia falar e nem sentia necessidade, disseram que eu estava traumatizado mas eu sabia que assim que eu quisesse, eu poderia falar, só precisava de um tempo.

- tenho um boa notícia, o senhorito vai ter alta assim que comer a torta de chocolate- a enfermeira Júlia que havia cuidado de mim nessas três semanas disse com uma prancheta na mão.
Tá, era torta de chocolate, mas era horrível e eu era obrigado a comer, comi a dei um sorriso quase vomitado pra ela.- ótimo, seu pai já vem te ajudar a se trocar- ela saiu sorrindo e levando o prato vazio.

- eae garotão, parece que você vai andar sempre em alta velocidade agora- meu pai entrou no quarto com uma cadeira de rodas e a mochila sobre a mesma.

Eu sabia que precisaria dela, mas não queria usá-la, apenas fiz cara de nojo e estendi mão pra pegar a mochila.

- ah suas roupas, quer que eu saia?-

Balancei a cabeça em confirmação.
Foi difícil colocar a roupa sozinho mas eu consegui, já estavam rasgada no lado direto onde estava o gesso na perna.

Quebrar a perna me mostrou que para algumas pessoas tudo é um desafio, sair de carro, entrar em um carro, trocar de roupa, tudo.

Eu obviamente não conseguia subir escadas e então meu pai teve que consertar o banheiro do andar debaixo e trazer algumas coisas minha pra cá.

Isso até que era bom, tudo naquela casa me lembrava Roni, mas só me lembrava dos momentos bons, meu pai disse que alguns amigos da faculdade dele, deixaram rosas e chocolate que meu pai deixou na cozinha.
As rosas estavam mortas e as bebidas na geladeira dividiam espaço com os chocolates, meu pai não fede a álcool desde que cheguei no hospital, tem chuvas que vem para o bem.

E tem sido mesmo uma chuva,meu pai não cozinha nada bem e não posso voltar para a escola enquanto não voltar a falar, foi oque a médica disse.
Tenho visitas da psicóloga do estado toda semana, e isso a dois meses, Henrique vem aqui todo dia, mas eu sempre finjo que estou dormindo, Alice me liga a cada uma hora, e isso contado no relógio, Jhenifer me deixou flores e um bilhete que eu ainda não li, estou quase tirando o gesso, faltam apenas três dias, mas eu ainda não me sinto com vontade de falar, talvez Henrique se culpe pela morte do meu irmão e por eu estar numa cadeira de rodas sem conseguir falar, mas ele não se culpa mais que eu.

- oi Henrique-

- oi, me desculpe é que eu preciso muito falar com ele, nem que eu tenha que acorda-lo, por favor, precisa me deixar conversar com ele-

- ta bom, mas não o force a falar-

- Cã-

Abri os olhos, ele vem aqui todos os dias assim que chega da escola, ainda com o uniforme e a testa suada, hoje ele veio mais tarde, e estava com roupas frescas e um perfume amadeirado.

- eu sei que está, acordado, não quero que ouça minhas desculpas, mas peço que venha comigo, pra conhecer uma pessoa-

Abri os olhos e o observei, eu já havia visto ele pela janela. Meu pai estava com os braços cruzados e só nesse momento havia percebido o quanto ele havia engordado e estava bem cuidado. (Nessa época eu não sabia que ele tinha uma pessoa)

- pode ir-

Henrique empurrava a cadeira pelos degraus de saída da minha casa de forma desajeitada e cuidadosa demais.
Ele ameaçou me empurrar até a casa dele, mas eu o empurrei me guiando sozinho.

Ficamos em silêncio até que ele parou assim que chegamos na frente da casa dele.

- me espera aqui tá lega?- ele esperou uma resposta me encarando por alguns segundo e depois esfregou as mãos meio envergonhado de sua própria atitude.

Eu fiquei com medo, as ruas do condomínio eram sempre vazias e eu não iria muito longe de cadeira de rodas, nem se estivesse com minhas muletas, repletas de adesivos de Rock que meu pai havia colado assim que comecei na fisioterapia na minha outra perna, que não havia quebrado mas estava traumatizada de alguma forma e eu não a sentia, nem dores nem toque.
Roubariam minha cadeira de rodas e eu ficaria no chão e sozinho.

- vamos garoto- Henrique saiu de casa e um cachorro grande e peludo raça xauxau saiu atrás dele correndo e pulando encima de mim.
Eduarda, dona Marta e a pequena irmãzinha de Henrique saíram também, rindo de Henrique todo preocupado tirando o cachorro da minha perna, eu sorria de gargalhar.

- não tem problema- minha voz saiu finalmente, sem nem que eu percebece ela saiu, doce e talvez suave demais, mas era a mesma voz que soprava os pensamentos na minha cabeça.

Todos me olharam e abriram ainda mais o sorriso, Henrique soltou o cachorro que correu pela rua, e me observou sorrindo e com os olhos brilhantes.

- você quer tomar sorvete comigo?- falou esperando uma resposta e eu me virei para o cachorro, que cheirava o chão incessantemente.

- talvez- respondi sem sorrir e virei minha cadeira ficando de costa para ele.

- Cã!?- ele gritou fazendo eco na rua toda.

Parei a cadeira ainda de costas.

- você quer ser meu namorado? - gritou novamente, qualquer um podia sentir o nervosismo na sua voz, talvez aquele não fosse o momento, ou talvez aquele fosse o momento perfeito, e eu escolho a alternativa b, aquele foi o momento perfeito, vi meu pai da porta de casa, me olhando com um sorriso no rosto.

Levantei minha mão lentamente fazendo um sinal de positivo com o polegar.

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