Sobre caligrafia e pedidos de ajuda silenciosos

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Segunda-feira. Segunda semana de maio. Não foi a aula e aproveitou para pular o treino. Teve que ir no Detran para resolver os trâmites legais de sua carteira e estava cansado. Haviam desenas de mensagens em seu telefone, a maioria de garotas(e garotos) que não deviam ter seu número, mas duas de Steve chamaram sua atenção.

Trabalho de Biologia, em dupla. 

O professor deixou que escolhessemos as nossas, desde que fossem pessoas que estivessem presentes na aula. Quem faltou ele mesmo escolheu. Você deu sorte.

Início de junho era o conselho de classe. Então era norma os professores passarem trabalhos nessa época do ano, de acordo com seus colegas, mas não entendeu por que teve sorte. Mandou uma mensagem para o loiro, mas não teve resposta.

A noite passou rápida, e quando se deu conta, estava ouvindo a música irritante de seu despertador. Parecia que se passaram apenas segundos desde que fechou os olhos na noite passada. Estava de péssimo humor pela noite mal dormida e o fato de não poder dirigir pelos próximos dias, até que sua carteira estivesse pronta, aumentava seu desagrado.

Assim que chegou na escola, rumou para a sala sem dar muita atenção para as pessoas que tentavam convesar consigo ao longo do caminho, focado apenas em descobrir o que de tão importante ocorrera em sua ausência.

-- Olá, sumido! -- Alexia o recebeu com o sorriso de sempre, segurando seu rosto com ambas as mãos ao beijá-lo. Tony resolveu não se afastar dessa vez. -- Senti sua falta ontem. 

-- Te vi no fim de semana, Ale. -- Bufou ao jogar a mochila sobre sua mesa.

-- Mal se conheceram e ela já grudou como chiclete no seu pé? -- Rhodes brincou assim que ela se afastou. -- Já conheço esse filme, Tones. Você não é do tipo que fica muito tempo com alguém e quando se cansar dela, Alexia não vai soltar o osso como as outras.

-- Dor de cabeça à vista, então? -- Tony sorriu para o amigo. -- Eu sei lidar com isso, não se preocupe à toa. Mas eu queria saber outra coisa. O trabalho que foi passado ontem.

-- Ah, sim! De Biologia. -- Seu amigo sorriu. -- O professor escolheu Peter para ser sua dupla, já que ele também faltou ontem. E não virá hoje, pelo visto. -- Acrescentou ele ao ouvir o sinal soar, já que Peter nunca se atrasava.

-- Podia ser pior. -- Tony concordava que seria bom fazer o trabalho com o garoto, já que ele era inteligente.

-- É. Você podia ter sido posto com o Fash. -- Rhodes apontou para o loiro na fileira do fundo.

-- Ele também não veio ontem? -- Tony estranhou, já que mesmo sendo um péssimo aluno, Flash nunca faltava.

-- Não, Tony. -- Ele o olhou com confusão. -- E você não deveria se importar com isso.




Almoçou em um restaurante importante no centro, com Obadiah que parecia muito focado em seu celular. Não se incomodou com isso, já que estava preso ao seu também. Assim que terminaram, seu tutor o deixou na escola para a aula de teatro e já ficaria para o treino depois. 

Quando chegou, foi até a sala dos espelhos. Como a aula começaria as duas, ainda faltavam meia hora para o início dela, então apenas deixaria seus materiais ali e iria falar com seus amigos que deviam estar pela escola. Mas ao passar pela porta, notou que Peter estava em um canto, escrevendo em seu caderno enquanto mantinha outro apoiado no chão, de onde copiava algo. 

-- Mochila nova? -- Sem sombra de dúvidas era o pior início de conversa que já tentara, mas nada se passava em sua mente, então ao notar a mochila preta perto de Peter, julgou que seria um bom assunto.

-- Como sabe? -- Peter o encarou com os olhos semicerrados, como se procurasse algo nele, desconfiança brilhando em seus olhos.

-- A outra era azul, então apenas supus. -- Tony deu de ombros, sentando no chão também, perto de Peter mas sem invadir seu espaço. -- Tenho os conteúdos dos dias em que faltou, caso queira. E minha caligrafia é muito mais legível que essa da qual está copiando. 

-- Ned não tem a melhor das letras mesmo. -- O menor deu um meio sorriso, e Tony encarou aquilo como uma confirmação, logo abrindo a própria mochila e entregando os cadernos para Peter.

-- Por que não veio nos últimos dias? -- Perguntou, como quem não quer nada. O garoto desviou os olhos dos cadernos para olhá-lo brevemente, como se o questionasse por perguntar.

-- Nada demais. 

Um silêncio desconfortável se instalou, já que Peter parecia tenso. Tony recostou em um espelho, encarando a mão do garoto escrevendo. Ele tinha uma caligrafia bonita e rebuscada apesar da rapidez com que escrevia, as palavras levemente inclinadas para a direita. Ele tomava o cuidado de deixar o espaçamento devia a cada novo parágrafo, e escrevia os títulos em letras garrafais, tão bonitas quanto as cursivas. 

Os dedos que trabalhavam eram finos, a mão pequena. Ele não vestia nenhum anel ou pulseira, a menos que o casaco cobrisse, já que com o ar condicionado era inevitável usá-lo. Continuou com o olhar preso no pulso dele quando Peter se moveu para pegar uma caneta colorida no estojo, o movimento deixando um pouco mais de pele a mostra, fato que permitiu a Tony ver as marcas mais abaixo no pulso. 

Antes que se impedisse, suas mãos foram até Peter, afastando a manga do casaco e encarando melhor as marcas roxas, que lembravam vagamente dedos. 

-- O que aconteceu? -- Tony estava preocupado. E isso era estranho demais para si mesmo, assim como a raiva que começava a acordar em seu âmago. Peter pareceu notá-la, já que se encolheu, se afastando e tentando recolher a mão, mas o moreno continuou a segurando. 

-- Isso... isso não é da sua conta. -- A voz dele tremia. -- Por favor... por favor me solte. -- Ele tentou puxar a mão outra vez, mas sem sucesso. -- Está me machucando, Tony. 

O sussurro dele o quebrou, queimou sua mão como fogo, que o soltou no susto. Se a ideia de alguém machucar Peter era incabível, a ideia de que ele mesmo pudesse fazer isso era impossível. O garoto encarava o chão, encolhido e segurando o pulso, e Tony não sabia o que fazer.

-- Foi o Flash, não foi? -- Tentou dosar a raiva na voz ao notar que ela afetou Peter, a deixando minimamente mais empática. -- Você precisa falar para alguém sobre isso, Peter.

-- Acha que eu já não tentei? -- Ele o encarou por um momento fugaz, antes de fixar os olhos na porta. -- Mas não resultou em nada que não fosse aumentar a irritação dele, e eu realmente não quero que aquilo se repita, então simplesmente esqueça, okay? Eu não preciso de mais problemas, nem você.

Peter se levantou de ímpeto, pegando suas coisas e logo saindo pela porta. Tony encarou seus próprios cadernos, se perguntando como poderia ajudar o garoto. 

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Notas da Autora:

Bom, estou pensando em fazer capítulos com a visão de Peter em breve, mas ainda não tenho certeza. Talvez fiquem muitas pontas soltas se eu focar apenas em um ponto de vista (no caso apenas o de Tony).
O que acham?
Agradeço a leitura!

P.S.: Eu te odeio Onde histórias criam vida. Descubra agora