08. ... E, quando me dei conta do tipo de pessoa que eu estava me tornando...

39 7 2
                                    

O conceito de vulnerabilidade não remete especificamente à fraqueza física de um indivíduo. Em muitos casos, é referível como um estado inconstante de insegurança; hora derivado do medo, outrora de um conjunto de infortúnios que causam uma circunstância de fragilidade emocional.

Eu, por exemplo, me vi perdido em algumas situações, até mesmo correndo risco de vida, e era vulnerável no sentido de que não existia nada que pudesse fazer para sair disso sozinho. Uma das primeiras vezes foi na morte de Anne, quando perdi a pessoa que me servia de fortaleza e me provia segurança.

E em todas as vezes depois dessa, sem quaisquer exceções que viessem à minha cabeça agora, eu estava com Ship.

Londres, Inglaterra, 05 de outubro de 2016
Cinco dias vivendo com Leoni Shipman

Havia decidido deixar o assunto de Samantha de lado, apesar de ter ficado curioso no que o Instituto estaria envolvido, por não querer misturar as coisas. Preferi afastar Jess dos meus assuntos quando a vi falando com outro detetive, deixando os dela de lado também.

Era uma tarde desmotivadora, sem dúvidas, e chegava a me sentir levemente tonto pelo que clima que caíra. A situação de minha autodeclarada missão também não estava como eu imaginei. Minha única pista não era pista nenhuma, visto que Yakitori não conseguiu abrir o sinistro portão do porão.

Eu estou sozinho e sem rumo.

Durante o horário de almoço, fui encontrar-me com o ruivo sem noção em sua casa. Havia me dito que tinha uma certa coisa que vinha querendo me mostrar há um tempo, mas tinha suas dúvidas em quanto a fazê-lo. Pressentindo, e conhecendo que era um tarado cujos interesses pessoais eram os mais estranhos, excêntricos e aleatórios possíveis, não esperei muito daquilo. Poderia afirmar que se tratava de uma idiotice que não agregaria em nada à minha atual situação deplorável.

Yakitori residia em um apartamento tão afastado e sombrio, e com tantos corredores, que eu nunca cheguei a ver um vizinho seu. Não tinha o menor interesse em ficar muito tempo lá, nem nunca tive, apesar de ser consideravelmente grande e, à primeira vista, interessante. Pelo menos o apartamento de Ship tinha um chuveiro legal.

Poderia descrevê-la com os mínimos detalhes, mas certamente levaria o equivalente a cinco capítulos de Game of Thrones. Prefiro dizer que reforçava sua esquisitice. Para começar, bastava abrir a porta para que saíssem três passarinhos de diferentes espécies, e isso sempre me pegava desprevenido.

— Eu espero que seja alguma coisa útil — disse eu quando ele abriu a porta, entrando depois de ter desviado de um periquito e uma calopsita, e ele fechou a porta sem se preocupar com a fuga.

— Você vai gostar — falou com uma estranha seriedade. — Eu nem queria te mostrar.

O ambiente todo tinha um tom acinzentado e o espaço era estreito pela desorganização, e por Yaki ter todo tipo de tralha espalhada. Talvez seja por isso que eu não gostasse de ir lá. Visivelmente não recebia muitos convidados e o motivo era óbvio: tinha diversos arquivos digitais e em papel, com informações que eu nem me arrisco a adivinhar, espalhados, detectores de movimentos, bloqueadores de sinal e aparelhos tecnológicos tão novos que eu nem conhecia.

Seu quarto, que me custou dois anos de convivência para poder ter acesso, não era um quarto. Era um bunker. O melhor computador da casa estava lá, assim como a "parede de monitores", com filmagens ao vivo de câmeras de variados cantos do mundo. Ele também tinha caixas de som nas paredes e aparelhos de comunicação que eu nunca o vi usar.

Por último, ele tinha animais estranhos, como um lagarto enorme, e me contou que já teve um ornitorrinco, mas eu não sei se acredito.

— Hoje, eu — disse ele quando chegamos no cômodo, querendo fazer um certo suspense — vou te mostrar o meu porão.

Por que ele mataria Anne Scott?Onde histórias criam vida. Descubra agora