11. ... Não tinha nem ideia do quão a morte de Anne tinha me deixado cego.

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Ouvi durante exaustivos meses que eu nascera para romper a maldição que rodeava a nossa família. Nasci em um ambiente de medo, onde escutava, escondido, penosos cochichos que presumiam que eu estaria fadado à uma vida curta. Fui impedido de ir ao médico confirmar as suspeitas que corriam por bocas ignorantes; as mesmas que agradeceriam a Deus anos depois, quando eu já teria quinze e nenhum histórico de internações, dizendo que eu fora o primeiro Scott a nascer são.

Foi uma benção por um lado. Por certo, aquelas palavras de suposição fizeram nascer uma ingenuidade confortável em mim, forte o bastante para, de fato, acreditar que eu nascera isento do temível Von Hippel-Lindau.

Contudo, palavras incertas, ainda que te protegessem por tempo indeterminado, te obrigam a reter-se em uma utopia de modo que, quando a realidade finalmente decidiu me atingir, eu estava indefeso. E pior ainda:

Eu estava junto com ele.

Londres, Inglaterra, 06 de outubro de 2016

Havia uma luz irritantemente forte que batia diretamente no meu olho. A dor ainda era insuportável; haviam poucas pessoas ao meu redor, mas, graças à tontura, todas aquelas vozes ecoavam infinitamente, fazendo parecer que estavam gritando em meus ouvidos.

Ainda escutava um zumbido insuportável: longo, agudo, como se minha cabeça fosse uma lousa e alguém a estaria arranhando com afiadas unhas. Não parecia que se calaria sozinho e eu mal estava em condições de implorar por arrego.

No Instituto Kylle & Claire Kitle, fui levado para o departamento de Oftalmo e Otorrinolaringologista. Na sala, pelo menos, pude ficar sozinho com ninguém além de dois médicos. Um que havia me colocado sentado numa cadeira e estava tentando ver por dentro do meu olho, e outro, que era a pior pessoa para estar ao meu lado naquele momento.

Não conseguia conter um olhar fumegante de raiva, já tendo minhas suspeitas da origem daquele zumbido. Tinha consciência de que não poderia deixar meu disfarce cair por terra, mas era difícil ocultar. Ship deve ter notado isso, e eu parecia tão furioso que o próprio imbecil ficara com pena e tentou segurar na minha mão. Em uma rápida ação derivada do asco que sentia, a tirei de perto dele.

— Tá doendo... meu corpo todo tá doendo... — disse eu, para que Ship não ficasse chateado comigo pela ação.

Já quando entrei na sala silenciosa, o ruído diminuiu, e naquele momento eu não ouvia nada atípico. Ainda assim, um desespero me consumia internamente, e o único modo de dar uma desculpa para o meu mau humor exagerado, seria o de fingir que o tal zumbido ainda estaria lá.

Minhas mãos e pés tremiam como se eu estivesse com frio, mas era só porque eu queria me encolher em posição fetal e desabar em lágrimas por finalmente ter a minha tão-esperada sentença de morte. Continuei em silêncio, ainda assim, enquanto o oftalmo olhava o meu olho.

— O que você viu? — Ship perguntou quando ele se afastou, com um semblante preocupado e parecendo ter uma certa dificuldade em dizer o óbvio.

— Sem depósito de cálcio — o oftalmologista respondeu; não sei se com uma cara boa ou não, pois tinha os olhos fechados devido à luz daquele exame.

— O que você sente nas mãos e nos pés? — perguntou-me, vendo como meus pés batiam um no outro e eu não conseguia permanecer quieto. Respondi do modo mais vago que conseguia:

— Dor...

— Dor, junto com um formigamento?

— É... e um zumbido horrível...

— Isso é Fabry — disse ele, teimoso, mas o outro médico pareceu discordar, voltando a olhar meu olho.

— Isso não é Fabry.

Por que ele mataria Anne Scott?Onde histórias criam vida. Descubra agora