Quando você nasce com uma expectativa de vida de quarenta anos, passa a ser contraproducente nutrir sentimentos como hostilidade, ciúmes, raiva ou mágoa. Por isso, minha mãe levava todos os seus dias como uma adolescente despreocupada com o mundo, apaixonando-se perdidamente por pessoas vistas somente uma vez ou tomando o mínimo de responsabilidades possíveis.
Anne tinha sempre um sorriso estampado e um jeito positivista irritante, querendo sempre ver o lado bom das coisas. Provavelmente não odiaria Ship nem se ele confessasse tê-la matado. Ela não poderia ter um emprego fixo ou fazer faculdade, por precisar ser internada inúmeras vezes em um mesmo mês. Jamais arriscaria perder a única amizade que sempre estaria ali por ela: a de seu médico.
Já eu, não era nem de longe como as duas. Não tive problemas em passar meia década odiando alguém somente por uma suspeita.
Mas, eu cresci. E, depois de tantos anos, meus limites se fizeram tão grandes que eu precisei, por fim, me afastar dele, mesmo a dor sendo tão agoniante.
Londres, Inglaterra, 07 de outubro de 2016
— Bom dia, bela adormecida.
Seis da manhã. Depois de um final de tarde, uma noite inteira e diversas trocas de turnos de enfermeiras, Ship acordou devido ao alarme de seu celular. Havia dormido sentado em uma cadeira, com o rosto apoiado na minha cama, me obrigando a lidar com a sua presença.
Pelo menos o fato dele ter passado tantas horas ao meu lado, me serviu para aliviar um pouco minha raiva, ainda que eu tenha sido forçado a tal, ou ficaria louco.
— Oi — respondeu com nenhum entusiasmo, levantando seu rosto com uma enorme dor na nuca. — Eu apaguei aqui?
— Aham, desde às quatro da tarde.
— Não acredito... quantas pessoas me viram aqui?
— Elas acharam bonitinho, hihi. Mas num se preocupa, eu disse a elas que 'cê veio checá meu tratamento e acabô desmaiando, assim elas num pensam besteira.
— Muito gentil da sua parte. Mas, pera, isso significa que eu dormi catorze horas seguidas? — perguntou, assustado.
— Uhum, 'cê tava precisando. Seu amigo passou aqui também pra te dá boa noite, ele disse que dormí faria bem pr'ocê
— Sei não, meu pescoço tá me matando e eu perdi preciosas horas de trabalho ontem. Meu rosto deve tá todo amassado...
— Vem cá — disse eu, trazendo o corpo dele para perto e ajeitando seus cabelos, junto com seu moletom. — 'Cê vai ficá bem, só aproveita um pouco essas horas que 'cê dormiu.
— Você tá sentindo alguma dor ainda?
— Nada anormal.
— Que bom, então. Eu vou trabalhar agora, você me chama se acontecer alguma coisa?
— Num é melhor eu chamá alguma enfermeira? 'Cê tá sempre ocupado.
— Eu trabalho aqui, Peter, agora também faz parte do meu trabalho cuidar do seu pós.
— 'Cê fala isso pra todos os seus pacientes?
— Só pros irritantes que invadem meu escritório procurando por ajuda.
Ship saiu do meu quarto, o que era bom. Já que eu não tenho muito para fazer estando internado, gosto de conversar com os funcionários, mas eles nunca revelavam nada útil devido a presença do chefe. Decidi esperar pela próxima enfermeira chegar.
— Olá...
Duas mulheres entraram no meu quarto, andando discretamente e com um sorriso tímido. Uma delas escondia alguma coisa detrás das costas.
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Por que ele mataria Anne Scott?
Misteri / ThrillerLuckas Scott, um brilhante hacker/cracker, passa os últimos cinco anos planejando como se infiltrar na vida de Leoni Shipman, o antigo médico de sua irmã e também o melhor amigo dela, quem ele acredita estar por detrás de seu assassinato. Sem planej...