14. ... Assim como Ship...

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O difícil em relação a ele, era saber diferenciar o que era trauma, e o que era culpa.

Que era um sujeito deprimido e usuário de drogas era mais do que óbvio. Entretanto, eu não tinha um contexto muito preciso em relação a isso. Não dava para dizer se Ship era antissocial ao extremo, e de um modo patológico, por nunca ter gostado de pessoas, ou se aquilo era uma consequência traumática de ter cometido um assassinato, especialmente um que parecia ser passional.

Não que existisse qualquer "passado triste" que pudesse justificar um assassinato, mas, caso os transtornos que Ship tinha fossem derivados disso, seria prova quase-definitiva de que ele era o assassino de minha irmã. Por outro lado, Anne já falava que ele era antipático e depressivo há muito, mas provavelmente não na mesma intensidade que depois de sua morte.

Londres, Inglaterra, 07 de outubro de 2016

— Luckas!

Depois da ligação de Jess, fui para a Scotland Yard, ainda que fossem dez da noite. Ela estava com um semblante péssimo e não era para menos: havia recebido a notícia da morte de sua irmã há poucos minutos.

Ainda assim, tentava manter-se forte dentro da Central. Estava junto com duas mulheres e seu parceiro Christopher, com olhos avermelhados, mas sem chorar, e com uma postura séria. Assim que me viu, veio correndo em minha direção.

— Jess! Eu sinto muito — falei em frente a ela. Não era nada bom em momentos de luto e empatia, mas Jess estava passando pelo mesmo que eu.

Além de tristeza, havia um certo ódio em seus olhos. Uma raiva por não ter feito nada para impedir a morte de Samantha (e como poderia?), assim como uma culpa gritante, que fazia parecer que desabaria em lágrimas a qualquer momento.

— Eu não sei como isso foi acontecer — ela disse, com uma certa dificuldade em falar. — Minha irmã nem tinha me contado que trabalhava no Instituto, eu soube por você!

— O que aconteceu com ela?

— Me ligaram dizendo que ela foi uma das vítimas de um prédio que pegou fogo.

— Como assim? Então não foi nada relacionado com o Instituto? Que prédio é esse?

— Eu não sei! É um prédio que eu não conheço, de uma área muito estranha que eu tenho certeza que a minha irmã não frequentaria. E ninguém sabe me dizer o que diabos ela foi fazer lá!

— Você acha que é alguma coisa envolvendo o Ship?

— Eu tenho certeza! Você me disse que a minha irmã tava investigando alguma suspeita dela em relação ao Instituto, certo?

— Sim...

— Então pode ser que ela tenha encontrado alguma pista nesse prédio e foi pra lá. Mas, tem uma coisa que não faz sentido pra mim...

— O porquê dela não ter te avisado — afirmei.

A última vez que as duas se falaram, Samantha estava morando e trabalhando na Suíça, duas semanas atrás. Jess já achava estranho ela não ter mencionado que estava em Londres, e com isso de ter ido para um prédio que pegou fogo, realmente parece suspeito. Alguma coisa grave deve ter acontecido.

— E não é só isso... — Jess falou de um modo hesitante, como se sua raiva não deixasse que ela completasse.

— O quê?

— Eu pedi pro comissário abrir uma investigação contra o Instituto e contra o Shipman. Mas...

— Ele negou?

— Disse que não tinha provas que conectassem o local onde minha irmã trabalhava com um prédio que pegou fogo.

Naquele momento, eu entendi o porquê de Jess me olhar de um modo com tanta lástima.

— A única maneira de fazer essa conexão, seria se eu contasse da nossa investigação pro comissário, né?

— Sim — ela afirmou. — Isso o que a gente fez viola várias regras da Yard, e nós dois poderíamos ser demitidos, mas...

— Mas, é a única alternativa.

Envolver a Scotland Yard era tudo o que eu não queria.

Primeiro que eles não me deixariam investigar, por eu ser um civil, e segundo porque eles têm um monte de regras chatas e eu queria fazer as coisas do meu jeito. Fora que, investigar um crime de cinco anos atrás e que nunca foi aberto, seria quase impossível para a polícia.

Contudo, a morte da irmã da Jess foi recente, e essa sim poderia ser investigada caso eles tivessem um motivo. Essa possibilidade não foi tão ruim, já que eu já havia sido expulso do apartamento de Ship e não fazia mais ideia de como continuaria com isso.

Então, nós dois fomos à sala do comissário Mike.

Tivemos que explicar o porquê de um garoto que trabalhava como técnico de informática resolver abrir uma investigação particular contra o médico, e o hospital, mais famoso de toda Grã-Bretanha, cuja única prova era a minha suspeita, baseada puramente na relação dele com a minha irmã e as circunstâncias da época.

O comissário Mike parecia ser alguém calmo, mas ficou me encarando o tempo inteiro como se pensasse no que responder para mim. E eu sei admitir que, do modo que nós dois falamos, parecia ser algo estúpido.

— Foi extremamente irresponsável da sua parte — ele disse na direção de Jess — abrir uma investigação, envolver um civil e ainda permitir que ele morasse por uma semana na casa do suspeito.

— Eu sei, e eu assumo as minhas consequências, mas...

— "Mas" — Mike continuou — nada do que vocês disseram serve de prova para abrir uma investigação contra o Kylle & Claire Kitle.

— Como não?! — disse eu, menos paciente que Jess. — Minha irmã morreu e foi feito uma autópsia falsa, e a irmã dela morreu em um prédio que ninguém sabe o que ela foi fazer lá, e pegou fogo na mesma hora. As duas únicas coisas que conectam isso, são o Instituto!

— Eu não posso pedir uma autópsia da sua irmã, e eu precisaria de um bom motivo pro juiz conceder um mandato contra o Instituto ou Shipman, o que seria extremamente difícil, devido à falta de provas e o fato deles terem renome.

Jess e eu nos entreolhamos, sem saber o que dizer para convencer esse cara. Nós não tínhamos nenhum documento que tornasse as nossas investigações válidas, nem uma prova que ele pudesse apresentar, nem nada. Somente as nossas ótimas suspeitas que, na minha opinião, já seriam suficientes.

— Mas...

O comissário voltou a falar, com um aspecto mais "relaxado" e informal, o que fez nós dois voltarmos nossa atenção a ele.

— Mas o quê? — Jess perguntou, apreensiva.

— Pra sorte de vocês, vocês estão diante uma pessoa que também não gosta do Instituto ou do Shipman.

Inacreditável. Até a pessoa de maior patente dentro da Yard tem história com o Ship.

Jess soltou um suspiro de alívio, junto com um sorriso de esperanças, quando Mike deu a entender que iria abrir a investigação.

— Vocês ainda vão ser punidos — disse ele, e olhou para mim. — Uma semana de suspensão...

Bom, pelo menos é mais tempo pra investigar o Ship.

— ... E nada de usar esse tempo pra voltar com os seus planos — finalizou. — Você é um civil, não um policial ou um detetive, e isso é perigoso.

— Tá bom, eu vou deixar nas mãos de vocês — respondi, ainda que não honestamente.

1181 palavras

E assim, entramos na parte "investigativa" da fic e deixamos um pouco de lado a espionagem <3

Por que ele mataria Anne Scott?Onde histórias criam vida. Descubra agora