05. ... Só que, eu acabei entendendo o porquê dela ter se apaixonado por ele.

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Com o passar dos dias, fui me dando conta de que era impossível chegar ao cerne de minha missão sem sucumbir ao lado emocional. Ship, por mais que vestisse a máscara de médico submisso à ciência e à razão, acabava por tomar tudo para o pessoal. Era imprudente a ponto de fazer-se óbvio que décadas de traumas estavam escondidas por detrás de cada taça de vinho ou maço de cigarro seus.

Não seria absurdo pensar que, se de fato fosse um criminoso, seria por algo passional. E eu, que sempre costumei ver tudo no preto e no branco, agora precisaria colocar-me em seu lugar se quisesse entender por que tirou a vida de alguém querido seu; ou, pior ainda, como foi capaz de fazer Anne imergir de modo tão profundo em um amor assassino, ficando cega ao ponto de não dar-se conta dos monstros que tinha ao seu redor.

Londres, Inglaterra, 01 de março de 2008
Oito anos atrás

— Não acredito!

Levei um susto ao ouvir àquela voz fina exclamando com entusiasmo, precisando desviar minha atenção do console em minhas mãos para ver o que era aquilo. Quando fui ver, as duas mulheres mais importantes da minha vida pareciam ter voltado às suas épocas adolescentes.

— Esse vestido ficou muito lindo em você! — Anne exclamou, em frente à nossa mãe, enquanto segurava as pontas do vestido branco que ela usava.

— Você achou mesmo, Anne? — indagou, com um semblante alegre. — Você nem liga pra essas coisas. E esse cabelo? — chiou, olhando torto para os fios desgranhados da filha mais velha.

Anne não era alta ou forte, mas transmitia um ar de maturidade tal que poderia causar medo às vezes. Era tão desajeitada com a aparência que não conseguia deixar um simples cabelo loiro liso arrumado, de modo que precisaria prendê-lo em um coque quando sair de casa fosse impossível. Mostrava um semblante meigo e delicado para absolutamente todos ao seu redor, e seus olhos verdes transmitiam acolhimento. Ainda assim, durante a raiva, não havia ninguém que poderia calá-la.

Eu tinha minha irmã mais velha como um símbolo de força.

Contudo, nossa mãe era a figura extraordinária da casa. Nenhum de nós era infimamente parecido com ela, a não ser pela aparência. Tinha quarenta e um anos, mas já havia casado doze vezes. Aquela seria a décima terceira.

Tinha uma perfeita memória, isso posso garantir, uma vez que se lembrava dos mais insignificantes detalhes de cada marido, esposo, namorado ou ficante que tivera. E como lembrava! Gabava-se disso, constantemente, motivo pelo qual sempre falava sobre um deles, nem que fosse para citar uma frase dita numa manhã qualquer. Os únicos dois homens que ela jamais mencionaria enquanto viva eram nossos pais, ou qualquer coisa relacionada a eles.

Eram tão irrelevantes que nem parecíamos com eles, segundo ela.

— Anne, mas é dessa vez que vai ser pra sempre, viu — disse ela, com olhos de lascívia. — Até hoje não acredito na sorte que eu tive pra ter um homem como o Michael, daquele jeito de gostoso, e de romântico, viu? Você acredita que ele alugou um quarto pra nossa lua de mel lá no—

— Mãe! — Anne a interrompeu, olhando para mim de raspão. — É sério que você vai jogar todos esses detalhes na nossa cara?

Ela tinha um espírito espontâneo e uma língua do mesmo modo. Falava com tanta liberdade sobre tudo, que eu e Anne acreditávamos que tínhamos pouco interesse em relacionamentos românticos ou sexuais por estarmos enjoados de ouvir sobre. Ela, inclusive, odiava esse lado nosso.

— E você, quando é que vai se casar? — Pegou a filha pelo braço e a virou de costas, olhando seu corpo. — Desse jeito de bonita e fica atolada naqueles livros todos, e nesse computadorzinho portátil aí. Não coloca um homem dentro de casa, nem nada.

Por que ele mataria Anne Scott?Onde histórias criam vida. Descubra agora