Prólogo - A noite que mudou minha vida

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Lá estava eu, depois de cinco anos planejando este momento, sentado em uma cadeira no meu apartamento de três ambientes no agradável clima de final de verão. A noite chegou; a noite onde minha vida mudaria para sempre. A noite em que perderia a inocência que sequer dava-me conta de que tinha. A noite que algumas vezes torci para que nunca existira, e que outras me fazia vontade de voltar no tempo e começar tudo de novo, sem mudar um ínfimo detalhe sequer.

A noite em que nascia uma outra parte de mim. A noite em que me tornei Peter Lewis.

Londres, Inglaterra, 29 de setembro de 2016

Já estávamos há quatro horas na mesma posição, por culpa deste ruivo idiota que eu ainda teimo em dar-lhe tarefas para fazer. O chão chegava a estar mais negro que as luvas que ele vestia, e pior: mais negro que meus próprios cabelos.

À minha frente havia um espelho, onde via tanto meu reflexo como o daquela figura de cabelos lisos alaranjados por detrás de mim, com uma franja que quase escondia seus olhos puxados. Via, em meu reflexo, meus cabelos loiros ondulados, avolumados, sendo transformados em castanhos pela tintura que Yakitori insistia em dizer que sabia fazer.

— Finalmente, hein — disse eu, não escondendo minha impaciência. — Quatro horas pra pintar um cabelo.

— Não era você quem queria a tintura mais realista possível? Então para de reclamar, estrupício. Agora é só esperar mais duas horas pra que a tinta pegue e—

Soltei um resmungo tão alto que o fez calar aquela voz irritante que tinha.

Já no começo da tarde, havia comprado lentes de contato para substituir os óculos que eu usava. Pensei, quase cedendo à vontade, em comprar alguma que mudasse o verde em meus olhos. Se eu quisesse que esse plano funcionasse, a parte mais importante seria não permitir que ele me reconhecesse. Precisaria mudar meu visual radicamente — e foi o que fiz.

Levantei da cadeira, por fim, tirando o coelho que repousava em meu colo de cima. Espreguicei-me, pois não era qualquer um que aguentava a lentidão de Yakitori sem acabar tendo uma dor nas costas posteriormente.

Por último, olhei meu reflexo uma última vez. Não era mais Luckas Scott, quem se formara o ano anterior em tecnologia da informação. Agora era Peter Lewis, um jovem-adulto com a benção de ter nascido em berço de ouro e que se portava do modo mais bobo e irritante possível. Somente precisava acostumar-me a não usar mais óculos, mas por sorte nunca fui alguém preso aos maneirismos.

Quando terminei de espreguiçar-me, pude alcançar o saco de doces que tinha em minha bermuda.

— Pelo amor de tudo de importante na sua vida, o que não seria muita coisa — disse eu, na direção de Yakitori. — Você trouxe as roupas que eu te pedi?

— O que você acha?

— Você não ia gostar de saber o que eu acho.

— Camisa polo, calça jeans de marca, calça caqui, tênis, jaqueta... — Listou Yakitori enquanto eu entrava em um desespero interno por precisar vestir aquilo em um futuro próximo. — Tudo o que você precisa pra libertar o seu "burguês interior".

A parte mais divertida em tornar-me uma outra pessoa, definitivamente, foi a eleição de minha nova personalidade. Tive a ideia de criar-me o sujeito mais insuportável do mundo, acreditando que ele não conseguiria ficar perto de mim por muito tempo e, consequentemente, perceber que eu era Luckas Scott. Por sorte, tenho alguém como Yakitori ao meu lado para usar de modelo.

Seu nome real importaria muitos anos no futuro, mas, no presente, somente causaria balburdia desnecessária. Chamava-o de Yakitori pois o conheci assim, e assim ficou, do mesmo jeito que este me chamava de Candybutcher e seus derivados. Não éramos somente conhecidos, nem muito menos "amigos": aquele insolente desajeitado era o meu mais mortal, melhor inimigo.

Por que ele mataria Anne Scott?Onde histórias criam vida. Descubra agora