Capítulo 1: Dia 1, Primeira Tentativa

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É, eu tentei. Aquela vadia até que me ensinou alguma coisa afinal. Ela me convenceu direitinho. Comprei todas as nove velas.

A velha gorda da Mama Idu mandou colocar num circulo. Desobedeci e coloquei num triângulo. Sou um homem rebelde que faz pacto, perfeito pra uma nova edição do BBB.

Contato com Allul

Tinha que escrever o meu nome e o nome da Helena, juntos. Precisava de uma foto dela e uma minha, dois bonecos de pano, um fio de cabelo, uma calcinha e sutiã, três miligramas ou mais de saliva e um beijo de batom num pano preto. Allul é exigente, é melhor que funcione.

As nove velas, somente sete acesas, faziam o fio de cabelo reluzir e a calcinha ficava quente. Eu cheirei pra recuperar o objetivo, já tinha chegado até aqui e vela tá muito caro. 

No chão do carro, eu coloquei uma foto de um capeta comum, a primeira que apareceu no Google, numa xerox muito da mal feita. 

A tinta da xerox tava fresca do carro fechado, no estacionamento frio do cinema, cheia de listrinhas na impressão, mostrava que a tinta da lan house que eu peguei a foto tava acabando.

Grudou tudo na base das velas e no pano preto. Ainda bem que eu vou jogar tudo fora.

Ela ainda tá vendo o filme. Tenho tempo, espero que funcione, senão ela vai dar falta no espelho e no armário.

Velas acesas, procurei o primeiro vídeo de canto em latim que aparaceu. Tinha uma freira gostosa lá, me distrai um pouco. 

Uma e cinquenta, o filme termina as duas e dez. Tenho que me apressar. 

Decorei rápido a letra daquele vídeo, aproveitei e salvei no "assistir mais tarde". Se nada desse certo hoje, alguma coisa eu podia aproveitar. Comecei a cantar e logo ele apareceu.

Allul se levantou aos meus olhos.

Porra, que demônio broxa

O corno daquele chifrudo pediu mais coisas. Eu não tinha Ouija e já tava sem paciência, ia voltar pra missa, lá eu ganho mais. 

Acho que ele percebeu o meu deboche e se arrumou de uma vez. Levou todas as fotos e roupas, acendeu as duas velas que faltavam, apagou as sete e foi embora. 

É bom que tenha funcionado.

Allul é uma puta básica, faz o que mandam se as suas velas de merda estão no lugar certo. Daqui a pouco faço ele pagar por difamação, mas agora eu preciso dos serviços dessa vagaba.

Espirrei o meu alfazema pelo corpo todo, parecia uma loja de cigano em pessoa. Arrumei o cabelo e joguei o penúltimo Halls na boca; se tudo desse certo, o último eu não ia demorar pra usar.

Dei uma piscadinha pro espelho do carro, tentando buscar o que sobrava de confiança. Desci a última dose de cachaça pela garganta, vai que ajudava na conquista. Afinal, minha boca ficou com gosto de cachaça, joguei o Halls fora.

Ajeitei todos os meus anéis; tirei os socos inglês e coloquei os bonitinhos. Troquei os cordões da invocação e coloquei um daquelas pedras amarradas, parecia cult e não um cara que faz pacto.

Eu tava menos estranho do que o normal, tava mais pra um cara que fazia um massacre. Em relação a o que eu era antes, eu tava na melhor fase da vida.

Guardei aquela macumbaria toda no porta-malas e coloquei os bancos do meu corsinha de volta. 

Artes da conquista: com uma pequena ajuda dos amigos do outro lado

Fiquei esperando o filme acabar do lado de fora. O segurança não me deixou entrar. Aparentemente, um cliente deles não pode usar tantos símbolos "ofensivos á boa moral e costumes". 

Acendi o meu cigarro com a cara do capeta na frente dele. Quis baforar na cara, mas aí eu ia ter que correr bastante; esse vendido não vale o esforço, e eu não tô aqui pra causar, ainda.

O Daemon me disse pra continuar esperando, que ia dar certo ou moralismo.

Duas e nove, o cinema abriu. Aparentemente, alguém passou mal vendo o filme, bem no último susto do final, e acabou mais cedo de qualquer forma. A experiência já tinha se estragado mesmo.

Ela tava lá, reluzente, provavelmente.

Meu Daemon me disse que essa era a hora, e eu não demorei.

Chamei a gata pro meu canto e passei a ideia:

-Bora minha rabuda, bora pro corsinha, hoje é dia.

-Ai amor, não tô bem, acho que eu vou pra casa de uma vez, você me leva?

O Daemon disse antes que era a hora, eu não ia perder a chance e muito menos desobedecer ele antes que eu passasse a mandar, então eu insisti. Meu corpo minhas regras o meu rabo. 

Insistência: meu corpo minhas regras; meu rabo

Eu disse:

-Mina, eu já tô passando mal, mas contigo já é normal. Vamo, eu te levo pra casa.

-Certeza amor, eu peço um Uber, qualquer coisa.

-Eu te levo, garota. é que cê tem um jeito que apaixona, então se eu te ver com outro, isso vai me destruir, bora logo.

-Ai, para de ciúmes, bobinho. Tá, abre a porta.

Abri.

Ela entrou no banco da frente, e eu quis dar um beijo. Ela desviou.

Já tava puto com o meu Daemon, e com o filhadaputa do Allul. Não tinha muita opção, dirigi até ao centro da cidade.

A noite era muito boa lá, as casas de show pintavam as luzes que faziam o dia parecer noite, e a noite parecia ela mesma. A vida noturna era dos homens com dinheiro e as mulheres com paixão. A vida como tem que ser.

Abri a porta e larguei ela lá.

Ela me xingou meia dúzia de palavras, até que um bêbado agarrou ela pra um lado e nunca mais se ouviu falar de Helena na cidade.

Jurei morte pro corno do Allul e ali prometi tomar a liderança do meu Daemon.

Entrei no corsinha, dirigi até mais ou menos a divisa da cidade com uma menor, coloquei num estacionamento no meio do mato e fui dormir. Nem pipoca eu comi.

Que dia foda.



Uma coletânea de flertes com o DemônioOnde histórias criam vida. Descubra agora