Capítulo 14: Fama, finalmente

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Ah, bom dia.

Acordo meio atrasado, mas Melissa já saiu da minha cama e tá arrumando as coisas pra carreata que vem hoje. Escovo meus dentes, vou tomar banho.

Me olho no espelho e começo a ter orgulho do que vejo.

Faço meu Nescau e, enquanto o tomo olhando pro acampamento norte, vejo João correndo de um lado pro outro, com caixas na mão e um pessoal de amarelo e azul acompanhando ele. 

Eles estão mais perdidos do que nunca, mas eu entendi o que acontecera assim que o reflexo dos escritos "Pedra Minima" começou a atravessar meus oclinhos de leitura.

João está enviando os caixotes de livro pro Norte. Sim, depois de cinco meses como prefeito, já tenho meus negócios fora do estado de nome estranho.

Finalmente, boto uma roupa e desço os lances de escada até o Hall. Eu chamo de roupa o meu roupão do Rock Lee, não me julgue.

Foi só os meus cabelos sedosos brilharem naquele salão que eu já fui alvejado com perguntas e mais perguntas de Amanda, sobre o que eu acho justo em relação as penas por blasfêmia. 

Disse que não há nada errado em não acreditar, mas que nem todo mundo vai gostar do cara que fez isso, e eu não tenho como evitar.  

E é verdade. Terminei o meu Nescau e deixei o copo na cozinha, onde eu vi os inciados sofrendo nas mãos da Sara e da Liara, minhas iniciadoras. Elas evoluíram muito desde o dia que eu iniciei Melissa, sempre estiveram ali. Acho que confio nelas. 

Continuei andando e decidi ir no acampamento sul, mas quando ia colocar meu fone e ouvir meu Froid, um berro estridente e desnecessário ecoou no silêncio que ele mesmo causara. Vinha do mesmo acampamento, então eu apertei o passo. 

Quando ia chegando no que seria o jardim, era mais um espaço aberto, longe das camas e dos quartos, mais perto dos armazéns e dos carros, descobri a verdade. 

Só que antes tomei uma ombrada de um dos parrudos seguidores de Manuel, que tinha acabado de começar o treinamento. Meu fone caiu e quebrou um ouvido.

Disse, baixinho mas com entonação:

-Não!

E voltei, de ré, pra escada.

E de novo tomei uma porrada. Era Carla, crescida, que me deu um tapa na bunda. Quando eu virei, ela saiu correndo com as amigas dela pela Mansão toda.

Bom, deu meio dia. Soei o alarme e, como que perfeitamente, todos pararam o que estavam fazendo e foram pra mesa. Sim, tem uma mesa que cabe todo mundo, e é um quarto só pra isso. 

A comida já tava pronta, até porque a maioria comeu macarrão instantâneo, mas quem comeu comida de verdade fez o que queria na cozinha, acompanhados dos sofridos inciados. Tem sorte que não estão indo para Maiomba. 

Fomos descansar um pouco. Uma e meia eu era encontrado no meu escritório, aprovando e rejeitando modelos de pulseiras com Ofá. 

Pra cidade, mandei construir algumas mais estradas, já que agora eles tinham um ponto turístico maravilhoso. Tinha que ir lá diariamente, já que o meu vice podia tentar contra mim.

Tava tudo bem em Belém, e Carla entrou no meu escritório.

-Tio Elle, a Tia Lissa mandou falá que os homi chegô.

Ela disse, com a voz mais fofa do mundo. Falei pra ela que já ia ver os homi, ela me deu um abraço e foi embora.

-Pronto, cade a minha arma?

Eu disse, quando comecei a revirar todos os papéis. 

Antes que eu pudesse achar, a Tia Lissa apareceu.

-Bora homi, a carreata chegou!

-Oxi, mas não tem cop?

-Que cop o que galego? Tá fumando?

-Sim, mas tem?

-Não doidão, mete o pé.

Porra, Carla me deu um susto. Vai ficar sem vodu por uma semana.

Dei um tapa de maquiagem na cara, apaguei o meu incenso de canela no suporte e fui pra luta. Uma brasa ainda me queimou, acredita?

Desci tudo de novo e encontrei a carreata. Tinha umas 100 cabeças, mas muita câmera.

Tava lá a elite, só faltava eu. Amanda e Manuel do meu lado, João e meu vice nos extremos. Carla nos meus braços. Ela me deu um beliscão.

Manti a pose, mesmo lacrimejando; essa criança tá muito forte, meu pai.

Cumprimentei o que eu acho que eram os líderes, não sei. Eu realmente tinha fumado. Eles tavam falando várias coisas, mas eu fui acompanhando. Falavam de como a gente tinha estourado, sendo famosos pra cacete e ricos, também.

Eu mostrei toda a Mansão pra eles. Que, mesmo que fossemos ricos e vendêssemos a nossa fé, tudo que é nosso a gente cria aqui, e o dinheiro é pra se manter e pra propagar. Uma meia verdade, mas era só o que eles precisavam saber.

Sendo assim, a visita não demorou tanto. Eles filmaram o treinamento do Manuel, as entregas do João e as escritas da Amanda. Melissa não saiu do meu lado, adora uma câmera. Posou e ficou até famosa, "a primeira-dama pimentinha" era o nome dela. Kushina.

E eu sou o Minato, claro.

Dos 100, 75 exatamente quiseram entrar na seita. Eu chamei a Liara e a Sara, que viraram as minha imediatas na iniciação. Separaram por sexo e fizeram os primeiros processos, mais tarde eu inicio eles. Confio nelas para os preparativos. 

Os outros eram testemunhas e missionários, voltaram de ré.

Os repórteres pegaram os últimos retoques que eles precisavam, me deram um aperto de mão e foram pro caminho deles. Passei meu merthiolate onde a Carla me beliscou e peguei meu caderninho estampado com a cara do Lincoln de the 100, que homem gostoso.

Verifiquei a minha rotina; naquele dia ainda tinha mais uma entrevista. Vinha gente da capital, era mais fácil isso do que eu ir lá, eu só volto morto. E eles também.

Foi uma merda a entrevista, demorou e o cara veio cheio de preconceito. Ficou falando sobre eu ficar com medo de ir pro inferno, de ter medo de missionário, de fugir do cara.

Mano, não. Ele saiu de ré também. Nem terminou, quando falou o nome dele meteu o pé.

E isso não acaba aí, em mais dois meses eu recebi mais tanta gente, fiz mais tanta coisa que eu nem consigo lembrar. Eu acho que eu fugi do tema.

Eu fiquei famoso por ser o esposo da pimentinha, por causa da minha opinião forte e da minha atitude com os missionários. Virei um ícone.

Meses se passam e eu virei referência pra música, veio artista fumar no meu escritório, mano.

Eu tô famoso, mas eu fugi do tema. Não é pela minha religião, pelo o que eu quero passar. É pelo que eu sou, e a minha religião vai além de mim, é maior. Eu queria a minha fama, e eu acho que eu consegui. 

Mas eu fugi do tema, perdi a minha motivação e segui a maré; ela é boa, mas não é o que eu quero. Fugi do meu plano, perdi a minha promessa. 

Eu sempre tenho essas bad, mas essa bateu forte.

 Fudeu.

Cadê o meu ódio? A minha raiva contra o sistema, a vontade de chamar o segurança de porco? Cadê aquele papo de deixar garotas jovens num bordel? Bom, isso era errado, mas cadê?

Eu tô muito mudado. Não sei se é idade, ou se eu me afastei da minha própria divindade, se eu fugi do tema ou se o tema sou eu mesmo. 

Eu acho que eu tô perdido, pra mim chega.

Desisto, quer saber? Parem de ler isso. Vou parar de escrever também. Tô expondo a minha vida pra quem ler isso, espero que me encontrem morto numa banheira. Ou feliz num campo. 

Espero que não me encontrem, então. 

Espero que não leiam, espero que não me conheçam. Quero que Elle morra aqui. Elle morto.

Uma coletânea de flertes com o DemônioOnde histórias criam vida. Descubra agora