Ainda ando por aquelas ruas. São sujas, os animais andam e reviram toda a poeira que tinha acabado de cair. Nada mais importa do que os copos de plástico que se decompõem no chão; faz pouco tempo que o dia das crianças passou, suas marcas ainda não dissolveram.
Os velhos cismam em querer plantar alguma coisa nesse chão maculado, mas passam a mão na testa para tirar o suor, colocam de volta o chapéu e acertam a roupa quando eu passo. Eles acenam pra mim, e eu aceno de volta.
Passei a visitar constantemente a cidade, já que eu construí um posto. Lá, meus fiéis podiam se assentar e conviver com os homens e mulheres daquele lugar de nome esquisito, me contar o que descobriram e aplicar as minhas ordens. De pouco em pouco eu ficava íntimo daquele pessoal.
E funcionava. Já recebi proposta de casamento, já me ofereceram terra e criança pequena. Me jogaram calcinha e eu nunca senti tanto medo da Melissa quando eu peguei e guardei a peça. Tudo corria bem em Belém.
Eu era adorado lá. Fizeram feriado, pressionaram o tal prefeito pra fazer o "Dia do Elle", em que todo mundo ia parar de trabalhar e ver Midnght Gospel. Tô zuando. Ou não.
Mas, como sempre, isso não era suficiente.
Depois de uns três meses assim, eu entendi que o motivo de eu ser tão querido ali não era pela minha verdade, pela pessoa que eu sou ou pelo que eu represento. Era porque eu batia nos trombadinhas.
Todo esse amor era porque eu resolvia os problemas deles, e não pelo que eu tava lutando pra construir a quase um ano. E isso foi me corrompendo.
Eu não acenava mais pros velhos, que colocavam o chapéu de volta e negavam tudo. Nem ouvia as propostas de terras e, é claro, deixava as calcinhas no chão. Tinha que fazer alguma coisa pra mudar a cabeça deles sobre mim e minha elite, que pra eles se resumiam em "amigos do herói".
Sempre que a situação aperta eu volto pro meu quarto com a elite e a gente discute, já virou de praxe todo mundo abrir caminho quando a gente passa pelos acampamentos da Mansão, ainda mais dessa vez que eu corria bufando pelos corredores.
Decidimos que alguma coisa deveria ser feita, óbvio. Todos concordavam na minha posição e também não estavam afim de serem tão mal entendidos. Conversa vai, conversa vem, escolhemos fazer alguma coisa, em público, que fizesse com que eles se maravilhassem de uma vez só.
Então, passamos a tentar descobrir o que seria a melhor coisa pra fazer. Sacrifícios nós não fazemos, mas se fizéssemos seria a coisa perfeita. Pensamos em casamento, mas todos os pares já tinham se casado. Ai, foi um inferno pensar no que seria perfeito, no que passasse toda a mensagem do culto pra geral.
-Uma iniciação! -Manuel disse, e era exatamente isso que a gente tinha que fazer. De vez em quando eu pensava que a gente era idiota, porque a gente tinha tudo na nossa frente e não perceba até ficar escancarado.
Então esse era o plano da vez. Mandei caçarem João, que correu pra cidade pra arrumar as coisas; buscou fita, palanque, cadeira, todo um evento para dar certo. Foi ali que ele conheceu o prefeito da cidade, Luís, que deu todas as coisas de bom grado, claro.
Claro que foi de bom grado. Quanto mais gente o culto ganhava, mais diversas eram as profissões dessa gente. Então a gente acabava com muitos desembargadores, políticos, delegados, juízes e ministros, gente que sabia como fazer política e tinha como.
Basicamente, aprendendo com esse povo, a gente dominava a cidade. Dei pros meus fiéis, Amanda e Manuel, a ordem desse povo. Amanda acabou aprendendo com os juízes e fez, SOZINHA, toda uma ordem de regras e leis, uma constituição do culto. Já o Manuel tava gostando mais de passar tempo com os delegados, então ele criou uma milícia de fiéis ex-policiais e ex-milicianos e começou a organizar uma força.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Uma coletânea de flertes com o Demônio
SpiritualEu tento mexer com isso, é a minha melhor opção. É melhor isso do que ser um vendido na protestante ou estuprado na sacra. E até que eu gosto do meu Daemon. Essa aqui é a reunião das minhas aventuras místicas, até o meu ápice e a minha situação mórb...