Capítulo 15: Timmy

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Queria ter mais o que dizer, tem mais o que fazer, ter mais o que contar, ter história boa, ter legado pra Carla.

Mas isso não é pra mim, nasci pra estar no lugar da Helena. Nem sei o que deu para ela, como ela escapou e onde ela está, já que o nome dela não estava nas listas da Amanda.

Tenho pessoas que eu não, ah, esquece.

Bateu.

Eu não mereço nada disso, eu quero mais.

Eu não sei.

Minha vida começou na merda, e aparentemente pra merda ela vai voltar.

Queria poder fazer algo por aqueles que dão a vida pela minha fé.

Queria poder dar todas as bonecas que a Carla quisesse, ensinar de cabo a rabo tudo sobre vodu, ela gosta.

Queria poder ser mais para a Melissa, que me suporta todo dia. Queria poder dar pra ela todas as canecas que ela quisesse, pra poder fechar paredes e paredes com elas.

Ela adora aquelas canecas, mas eu só posso comprar até cem reais por mês.

Manuel, tadinho, já taquei tantas pedras nele, hoje em dia é um homem feito, cuida da filha e da mulher como eu sempre quis fazer com a Melissa, como eu sempre quis fazer com a Amanda.

Já maltratei tanto esse homem, já falei tantas maldades por pura inveja do que ele tinha e eu não. Família, paz e um carro foda.

Eu nem gosto tanto do corsinha assim.

Queria poder me desculpar, dar um abraço nele e mostrar aprovação.

O homem já é mestre de não sei quantos oficiais, fala e eles obedecem. Mas acho que ele só é o que é porque eu falei tanto. Duvido seriamente que ele tomaria jeito só com os berros de Carla em seu ouvido.

Mas um homem responde pelo que faz, e ele merece um parabéns.

Tanto merece a esposa dedicada dele, Amanda, que não se acanhou com a maioria de homens por ali e, mesmo antes de Melissa levantar a voz pela primeira vez, lá estava ela fazendo as regras do lugar.

Minha Amanda, pérola daquele posto de gasolina sujo, foi lá onde tudo começou.

Todos merecem mais do que eu posso dar.

Errei muito, falei merda, fiz merda, mas eles sempre estiveram ali.

Entraram nas minhas merdas, foram de cabeça.

E hoje eu tenho uma Mansão com cabeça que a gente se perde na conta, aja tia da limpeza pra tanto talher sujo.

Mas a gente se vira.

Se virava, né.

Tá tudo muito estranho, muito errado.

Eu não me reconheço, sinto que estou num modo automático da vida.

Mas seguir o instinto num modo automático não é ruim, é a salvação pra muitas situações e faz eu iniciar Amanda em cima do carro capotado.

Mas esse automático é ruim, porque não sou eu fazendo.

Não sei se é o meu Daimon querendo me pegar, mas aquele atrevido não tem chance.

Isso é pior. Na verdade, eu nem sei.

Se eu pudesse, eu faria tudo diferente.

Não teria nem saído do corsinha, estaria até agora olhando para o Baphomet no teto e me injetando até ver tudo embaçado.

Quando fossem rebocar, iam ter uma surpresa mortificante.

Acho que seria melhor assim.

Amanda e Manuel continuariam em suas casas, cuidando de Carla que nunca veria um boneco de vodu na vida.

Todos os meus seguidores estariam vivendo suas vidas de antes, que eu tenho certeza que eram melhores da que vivem hoje.

E talvez Melissa estivesse tendo uma overdose.

Talvez nem todos ficariam melhores sem mim.

Me sinto o Tim, era Tim o nome dele?

Calma, vou pesquisar no Google.

...

Timmy! Achei.

Aquele garoto dos Padrinhos Mágicos, tem um episódio em que ele pede pra sumir e tudo é diferente sem ele. 

Me sinto um Timmy da vida, mas eu tô bem mais indeciso e não tenho Padrinhos Mágicos pra me tirarem dessa.

É, bateu.

Vou sumir, ninguém precisa de mim.

A Mansão tá se desenvolvendo bem, todos dão seu jeito e eu criei uma comunidade que é proativa. Meu sonho desde o começo.

Bom, e o que cacete é o meu sonho?

Quem lê essa porra teve estar confuso pra cacete.

Meu sonho já foi matar Daimon, escravizar, criar seita, ficar famoso.

Eu fiz promessas que eu nem sei se posso cumprir, se eu tô realmente afim de cumprir ou se eu só vou afrouxar mesmo.

Matar e escravizar todos os Daimons foi algo muito sério, e eu acho que eu já não consigo mais chegar naquele nível de jogar tudo por ar.

Acho que eu não consigo mais arriscar tudo pra matar 72 seres, em que a maioria nem sabe o meu nome e os que sabem estão presos nos meus seguidores.

Não tô pronto pra abrir mão de tudo prum sonho.

Ser famoso eu quero, e eu sou, mas eu não sei se é realmente o que eu quero, também.

Mas a fama que eu conheço é estranha, é diferente do que eu planejava.

A gente cresce vendo grandes astros famosos e eles não se abalam com nada, continuam fortes e bem perante tudo.

Mas eu acho que é só pelo dinheiro.

E eu não vim até aqui por trocados e nem por boladas, eu vim até aqui pelo meu sonho.

Quer saber? Nem eu sei.

Acho que por isso eu não tô valendo nada.

O mundo é dos decididos, não dos confusos.

Então, esse não é nem o meu mundo.

Mas eu me decidi.

Assinei a última carta pra cada um da elite, peguei a minha mochila.

Fui até o estacionamento, onde era um Woodstock sem fim, e entrei no corsinha.

Dei uma respirada forte, olhei pela última vez pra fachada da Mansão Coque e apertei.

...




Uma coletânea de flertes com o DemônioOnde histórias criam vida. Descubra agora