Capítulo 5: Tomada de Assalto

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Entramos no carro. Logo o corsinha de guerra pegou no tranco e eu peguei a Dutra direto. Fui na reflexão: cara, como a minha vida escalou em, sei lá, duas semanas.

Eu era um vagabundo, sem planos pro futuro, ceifado e pobre, e agora eu sou o líder de uma seita goeta e ainda tô com quem eu realmente amo. Não tenho muito do que reclamar, só do corsinha que não aguenta dez minutos na segunda.

Eu realmente tava bem mais feliz. Eu tava até cantando, cantando umas músicas de ninar que eu aprendi na escola normalista. Foi o meu apavoro por tanto tempo, agora serviu pra alguma coisa. Ela logo pegou no sono, e a gente continuou a viagem. Agora, com os pais dela, eu comecei a conversar com eles sobre como tudo funciona, talvez ajude a vocês entenderem do que eu tô falando.

-Bom, primeiramente, goetia é o nome da religião. Quando a gente chegar na cidade eu vou iniciar vocês e vocês vão poder saber mais. Bom, nós, goetas, trabalhamos com a evocação dos Daimons, espíritos ou forças que se materializam nos pactos e poder nos garantir boas ou más novas. Simples.

Manuel puxou e disse:

-Ok, mas como a gente começa os pactos?

-Hey, depois que você se iniciar. Por exemplo, nesse carro tem proteção em todos os lados, só ver com atenção.

E realmente tava. No teto, no chão, com o capeta mal- impresso, com fotos, sal, olho de boi, palha, trigo, azeite e um pouco de sangue, por que não?

Eu continuei:

-É, todas essas mandalas, fotos, imagens, tudo isso é proteção, que eu encomendei com o meu Daimon.

Amanda perguntou:

-Você tem o seu próprio? Tipo Salomão ou Sócrates?

-Tipo Salomão. E vocês vão ter o de vocês. Precisam de proteção no caminho que vão entrar.

-SÉRIO? QUEM?

-Calma, depois da iniciação. E eu ainda tenho que encontrar um pra vocês. Eu já tenho o seu, Amanda. Falta o teu, Manuel.

Eles ficaram animados, claro, e a gente continuou na estrada. 

Enquanto eu continuava a responder, e eles perguntar, algo foi me perturbando. Um zumbido, muito agudo, ecoava na minha cabeça, e não tinha nada em volta que explicasse. 

Quando esse som se tornou insuportável, eu soltei o volante e botei as mãos no ouvido. Aí, eu entrei em transe e apaguei.

É, apaguei com duas pessoas e um bebê no carro. Em movimento. É.

Transe, de verdade

Aatau, uma Daimon de personificação feminina, se apareceu em meus sonhos.

Linda, ela se fez numa mulher estonteante, digna de odes a Afrodite ou Freya.

Sinto-me preso, encurralado, mas a sua imagem traz luz e calmaria na escuridão.

Ela faz com que tudo se solte, se desamarre, se polua.

Toca em meu rosto e diz mentiras doces prum coração cansado, cria coisas bonitas pra uma mente fraquejada.

Quando me beijou, fez do inferno paraíso. 

Flutuo.

Mas logo se quebra e se desmonta. 

De si nasce a Aatau que se preza. Chifres, bode, lança e caveira, Daimon e encruzilhada.

Se fez o que se deveria.

Me diz:

-O que te aguarda não pertence a ninguém, nem a ti. Portanto, pertencerei a ti, mas não aguardarei. 

Me fez de receptáculo e perdi o controle do carro. Ainda alucino, mas com mais coisas do que uma mulher, antes bonita e agora Daimon, e um espaço preto.

Vejo o que não se deve, sinto o que não se pode, mas é bom.

Filtro tudo.

Vejo tudo.

Me leva para paraísos e infernos que te fazem enlouquecer de amor e poder. 

Só que, de novo, Aatau me leva para o odioso na mesma potência que me leva pro amoroso. 

Dei um beijo de volta e mordi a língua. Saiu sangue.

Me faz sofrer e gozar enquanto brinca com o carro virado e os três desacordados.

Sim, quando realizo e me solto de mais uma prisão mental de um Daimon, o carro virou, todos os três sangram.

Iniciação apressada

Acordei fora do carro, nem uma ferida e sim uma tatuagem. Sim, um olho na mão direita, onde se faz a iniciação e somente os goetas iniciadores têm. Eu ia pedir pra ter, mas acho que eles já deram.

Levantei e a primeira coisa que eu fiz foi ver se o bebê estava bem. Respirava e chorava, ok, está vivo.

Rápido, acordar o Manuel. Rápido, não tem tempo pra pensar e o que eu tenho que fazer não pode demorar.

Manuel acordou:

-ACORDA, PORRA! TIRA A TUA MULHER E FILHO, DEPOIS VOLTA.

Ele obedeceu, quieto.

Provoquei um vômito enquanto eu procurava a porra do olho de boi. 

Vomitei o bendito pedaço da língua de Aatau, e com o gorfo em volta fiz um pentagrama. 

Olho de boi inchado, claro, zuni pra bem longe na estrada. 

Falei algumas rendeduras e foi isso. Espírito de Aatau preso no pedaço de língua.

Acho que Manuel já tem o Daimon dele.

Ele voltou, desesperado. Conseguiu tirar as duas.

Eu disse:

-Sofri um atentado pela sua leiguice. Me ajuda a virar o carro.

Arranquei uma corrente da perna, atravessei na língua de Aatau e dei pra ele.

-Agora bota no pescoço. Tá protegido, teu nome é Lagbara-El e teu amuleto se chama Aatauki.

-Ok, brigado.

Me ajudou a levantar o carro.

Logo, vem Amanda

Correndo, filha no braço e puta. Claro.

Disse eu:

-Fui atacado por culpa da inocência dos dois. Ele foi iniciado, você vai demorar mais, é mulher. Nem machismo é, é sobrenatural.

-Ok, o carro tá ok?

-E EU PORRA, TÔ OK? Sim, entra.

-Eu sei que você tá bem, Tommy Shelby.

E continua a viagem.

No geral, perplexo, eles, catatônicos. Claro, se tem motivo. O carro virou e rodou e rodopiou pelo menos umas três vezes, pelo estado dos amassados. Ainda bem que eu ia me virar na cidade.

Mas que bendita cidade é essa? A cidade com menos cristãos do estado. O melhor lugar pra começar uma nova seita. Não vou colocar nomes, só o da cidade de gente pobre já me deu problemas suficientes. 

Mas o que importa é que lá está o ouro.

Cidade nova: missionários. Esse é o plano.

Uma coletânea de flertes com o DemônioOnde histórias criam vida. Descubra agora