"Estamos cansados disso. Somos ricos, viemos aqui pra aprender, e só fazemos aulinhas de auto-controle. Isso eu faço no spa da minha empresa, não tenho que dar tanto dinheiro pra você me proporcionar isso. Eu quero fazer alguma coisa."
Era isso que eles diziam, aqueles falsos fiéis, depois de dois meses na Mansão. Realmente, até que eles estavam certos, eu precisava ensinar algumas prendeduras pra eles antes que comecem a vida de goeta.
Chamei Amanda, que cuidava das mulheres da Mansão, o lado norte dos acampamentos e, portanto, metade da Mansão. Disse á ela que chamasse todas as mulheres, que trouxessem tudo que pudesse ser usado em arte e que esperasse no pátio dos carros.
Mandei chamarem Manuel, que estava cuidando de Carla, a garota que a cada dia crescia mais forte e mais interessada na Goécia. Cada dia mais penso em educá-la. Dei-lhe as mesmas ordens que dei para Amanda, mandei reunir os homens do acampamento sul, a outra metade da Mansão Coque. Assim ele fez, enquanto eu fazia carinho e cantava uma cantiga para Carla.
Não lembro muito bem qual era, fazem anos e estou velho, mas ela era assim:
"Ọmọ ti o lẹwa,
mọ pe ọ ile rẹ,
kii yokan rẹ.
Mo ṣe aabo 'n aabo,
ati jẹ kn
gbo nibi."
Disse que está ela protegida, e isso me deu a maior ideia. Eu não tinha a menor ideia do que eu ia ensinar para aquele bando de gente, que eu já perdi a conta. Mas, enquanto desejava proteção pra garota, lembrei da prendedura de Aabo, a de proteção.
Quando se pensa, é realmente algo que se deve aprender e é necessário, mas na minha cabeça da época eu não tinha pensado nisso até que aparecesse na minha frente. Me imagino me desdobrando para inventar algo na hora, sem que Carla me iluminasse. É, Carla me ilumina.
Bom, darei uma aula sobre a prendedura de Aabo e as runas de proteção.
Todos se sentaram no pátio atrás da Mansão, o único lugar em que aquela cambada poderia ficar de uma forma minimamente acessível pra alguém que quer dar aula. Na Mansão até tinha uns quartos grandes, mas não que suportassem 500 cabeças, vamos conversar.
Amanda e Manuel, com a ajuda de alguns representantes amigos e o antigo dono da pousada, arrumaram os mais diversos materiais, desde alguns blocos de madeira e alguns cavaletes até telas de escola. Não era nada daquilo que eu queria.
Ai, comecei a me estressar. Não sabia como fazer isso, caceta. Lembrei da minha mãe de santo, uma senhorinha tão pequena, mas com muita história pra contar. Dona Estela era o nome dela, uma pessoa muito boa, deveria dar algum presente pra ela um dia.
Ela um dia me contou sobre o conto da sopeira quadrada.
Sopeira Quadrada
Não me lembro de muitos detalhes, mas escravos que tentavam manter seu culto vivo, tiveram que adaptar alguns modos e tradições pra nova vida na América, e um desses era a sopeira onde se colocava o acaçá, uma comida especial.
Na África, a sopeira era totalmente redonda, e foi assim por gerações e gerações, sem ser contestada. Porém, somente era do acesso dos escravos a sopeira quadrada, pois era assim que os escravocratas faziam.
Então, para manter o culto vivo, eles tiveram que adaptar a sopeira redonda pra quadrada.
Quando eu me lembrei disso, percebi que poderia fazer o mesmo. Em minha casa de Goétia, usávamos pincéis especiais e tintas e telas cheias de rococós, que não dava pra arranjar no sul, principalmente no meio do nada, que é onde eu tô.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Uma coletânea de flertes com o Demônio
SpiritualEu tento mexer com isso, é a minha melhor opção. É melhor isso do que ser um vendido na protestante ou estuprado na sacra. E até que eu gosto do meu Daemon. Essa aqui é a reunião das minhas aventuras místicas, até o meu ápice e a minha situação mórb...