Elise

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Estamos cantando parabéns e realizando um antigo costume, ovacionando por alguns instantes uma pessoa que definitivamente não ganhou outro ano de vida, mas com certeza perdeu mais um.
Minha esforçada mãe, Janet Bryant, hoje, dia 30 de maio de 2008 comemora o seu grande dia, ela merece, dedica sua vida a nós então como não a amar? Amor? É um conceito muito pobre, ele não existe, porém devo usar alguma expressão para reconhecer os esforços que esta mulher fez e faz por nós. Juntamente com meu pai, o senhor Gregor Bryant, - um velho muito gentil com uma aparência jovial, físico forte, sempre de barba feita, cabelo bem cortado, um homem exemplar - os dois já passaram por muitas coisas difíceis na vida, nos adotar provavelmente foi uma delas, e espero que eles não descubram que cometeram um grande erro.

Hora de comer o bolo, é irônico, graças às minhas "habilidades" de quase não ter expressão, ninguém consegue distinguir meu desgosto em comer esta fatia, apenas Tyler olha para mim de longe e dá risada, ele não adora bolo, porém não se importa em comê-lo, pensando bem nunca gostamos tanto de doces como a maioria das crianças. A festa segue bem, me recosto ao lado da janela da sala olhando as luzes na cidade que nunca dorme, me lembro do Kansas, lá as coisas eram um pouco diferentes, com certeza existiam as luzes, os barulhos dos carros e motos, contudo nunca foi perceptível aos meus ouvidos, minha vida lá foi pacífica e incoerente aos muitos deslizes que venho cometendo aqui. Recordo minhas lembranças de um passado não tão distante enquanto meu primo Josh - todo engomadinho usando um pulôver marrom de gola alta - se encontra ao meu lado falando, explicando-me empolgadamente coisas das quais já sei e não possuo interesse algum.

- Sabe Trevor, no ramo do Direito me vi diante da verdade, a princípio pensei que a insistência de meu pai em seguir os passos dele se tratava de mero egoísmo, só que agora ressalvo a grandiosidade deste segmento vital de nossa sociedade - a sociedade ataca novamente, as vezes penso que seria muito mais simples viver em alienação, ser ignorante -, a justiça precisa ser cega meu caro primo, pois se deixarmos os valores humanos prevalecer, sem dúvidas voltaríamos a ser bárbaros.

- Fascinante Josh!! Já possui um pensamento tão abrangente sobre as leis, a sociedade e suas particularidades, você tem muita coisa guardada na cabeça.

- Leis? Ainda nem comecei a falar delas! Não foi uma tarefa fácil, mas tenho toda a constituição americana gravada em minha mente, e este é só o começo. - Panaca!

- Você estuda aonde mesmo? - Vou deixá-lo se gabar mais um pouco.

- Princeton!

- Caramba Josh, você é muito inteligente!

- Com estudo qualquer um consegue, foco é tudo quando estudamos para entrar na universidade. - Apesar de ser paga. - Nunca me deixei levar por más influências, permaneci focado. - Tipo fumar maconha e furtar em pequenas lojas de conveniência? Ele não sabe nada da vida!

- Elise entrou na Universidade Pensilvânia, bom, você sabe disso... o que talvez você não saiba é que eu adoraria entrar na Universidade de Yale. - Isso não faz diferença alguma para mim, mas quero incrementar a conversa, não vamos falar só dele.

- Sim, e sei também que ela só entrou nesta porque vocês moram aqui na Philadelphia, não quer se distanciar da família - não é bem assim meu caro Josh -, caso contrário certeza que ela estaria em Princeton comigo, ou quem sabe morando em Boston e estudando em Harvard! Mas você hem, admiro sua coragem e apoio a vontade de sair em busca do que você quer, Yale é muito conceituada também.

- Quero viver o meu sonho, estudar e construir um futuro brilhante! - Ainda bem que Tyler não está escutando essa conversa, ele me esnobaria.

- Vai ser médico como o seu pai?

- Sim, mas pretendo me especializar... entenda, acho muito bom meu pai ter o próprio consultório agora e contar com pacientes regulares, isso amortiza seus horários, apesar de já ter trabalhado em grandes hospitais anteriormente. Eu desejo crescer na profissão, ser o melhor, representar um grande hospital e salvar vidas! - Vindo de mim isso é hilário. - Infelizmente meu pai se tornou demasiado medroso, isso o aproximou de nós, confesso, sua vida agora é mais tranquila, flexível e ele quase sempre está conosco, porém não possui planos de retomar a carreira, muito pelo contrário, ele já planeja se aposentar, o que é triste pois ele tem talento.

- Não o culpo, ninguém pode culpá-lo, depois do que aconteceu com Catherine seus pais não foram mais os mesmos, na verdade nenhum de nós fomos. - Ele desvia o olhar quando mente. Claro que a morte de Catherine não o afetou, ele era criança e não lembra dela, pelo que sei a ex-moribunda se ocupava demais com a faculdade na época, não ficava visitando primos pirralhos de 5 anos.

- É, não a conheci, mas sei que ela foi uma ótima pessoa, só trazia orgulho aos nossos pais e sem dúvidas sua vontade e sonhos permaneceram em nós dois. - Ou a vontade dele...

- Já que citamos vocês dois, e o Tyler, o que ele deseja para a vida? Que formação pretende seguir?

- Ele é indeciso, já me disse que quer se formar em muitas coisas, você acredita que até cogitou em ser professor? Ele definitivamente não leva jeito para ensinar! Haha...

- Por quê? Ele é muito simpático, talvez fosse um ótimo professor.

- Você não conhece o Tyler, essa com certeza não seria a profissão dele...

- E qual seria?

- Lenhador!

- Nossa! Sério, por quê?

- Hum... ele ama cortar as coisas...

- Bom, se ele gosta então faz sentido. Haha!

- Olhe, lá vem Elise, vou deixá-los a sós para conversarem.

Apesar de eu ser igual a Tyler fisicamente, Elise olha para mim com desdém, ela nutre um sentimento negativo a respeito de mim, como sempre nós mantemos as aparências diante dos demais, então nada vem à tona. Acho que Elise teve tempo demais para pensar no que considerava correto fazer, e digamos que ela não é inocente. Na escola por exemplo, ela sempre foi a popular, manteve seu status durante os anos em que estudou na Central High School, também estudamos lá agora, porém o único a manter alguma fama é Tyler. Antes de estudar na Central, Elise frequentou a Philadelphia High School For Girls, que curiosamente fica quase ao lado da Central, seus dias lá foram, digamos,... tristes, ela não se destacava e assim não conseguia manter seu lado esnobe e "superior" entre todas aquelas meninas. Vendo o descontentamento de nossa irmã, nossos pais a transferiram, e obtiveram resultados, Elise nunca estivera tão feliz antes e também, tão determinada a expor seu lado mais sombrio. Pelos meus conhecimentos que não me deixam errar, Elise adquiriu um transtorno psiquiátrico generalizado, bom, não precisava ter muitos conhecimentos para identificar e categorizar a ninfomania que se apoderava dela. Essa compulsão sexual se define por alterações em seus níveis hormonais, entretanto esse transtorno não foi desenvolvido nela naturalmente, mas por causa de algo forte e marcante em sua vida, o trauma de infância, a perda. Ela sim mudou por causa da morte de Catherine.

Não sou a favor de tomar para mim os problemas de terceiros, sei de tudo o que aconteceu com essa família e não vejo motivos para me sensibilizar, não pedi para ser adotado, entretanto Elise sentia uma necessidade, alguma coisa a incomodava no âmago, ela precisava de uma válvula de escape. Observando atentamente tudo isso, Tyler achou a solução, ele também havia compreendido o pequeno problema de Elise, e seu domínio sobre as opiniões alheias levou meu irmão, uma criança na época, a deflorar a si mesmo e alimentar os desejos de Elise, os dois consumaram pela primeira vez o ato sexual que se tornaria um hábito, e que até hoje acontece pelos 4 cantos do apartamento, e as vezes até na minha presença. Pervertidos!

Os Gêmeos: Na Ilha do PurgatórioOnde histórias criam vida. Descubra agora