Se aproxima das 18hrs, Tyler e eu estamos a 10 minutos agachados cada um de um lado da porta de entrada aguardando pacientemente até ela chegar, de acordo com os nossos cálculos – e nós somos bons nisso – nossa vítima já deveria ter chegado à uns 20 minutos, entretanto não podemos nos mover, não queremos correr o risco de sair de nossas posições e não a pegarmos na entrada, planejamos isso com bastante antecedência e cuidado, executamos tudo minunciosamente para que não houvessem falhas, um descuido e tudo iria por água abaixo.
Tyler e eu somos gêmeos, assim como todos os gêmeos nós possuímos uma espécie de ligação, um elo que nos permite sentir determinados sentimentos um do outro mesmo a quilômetros de distância, nunca achei isso normal e não me acostumei, porém é verídico. Desde muito pequenos sempre apresentamos um nível elevado de inteligência se comparados a outras crianças de nossa idade, nos chamavam de “Gêmeos Gênios”, particularmente nunca me incomodei com isso, entretanto Tyler odiava. Quando tínhamos 6 anos, simultaneamente paramos de demonstrar toda nossa genialidade, foi decepcionante para todos ao nosso redor que cultivavam expectativas, como nossos pais, nossa irmã mais velha, e até mesmo para alguns professores que se engajaram nos estudos de nosso intelecto avançado, mas a verdade é que nós paramos de apresentar progresso por vontade própria, em outras palavras, demonstramos um sutil retrocesso. Toda aquela atenção, todo aquele alvoroço, toda a bajulação nos sufocava, em nenhum momento paramos de progredir, só não queríamos compartilhar isso com mais ninguém. Sei que não faziam por mal, porém nunca aceitamos que nos tratassem como ratinhos de laboratório, os experimentos sempre foram bem executados por nós, nunca demonstramos limitações, e qual era a resposta deles? Nos tratavam como uma tese de doutorado, seguiam o conceito de mineração, apenas extraiam para riqueza própria, nunca nos mostraram um retorno significativo. Desistimos deles, a pesquisa se encerrou e voltamos a vida normal, entretanto numa tarde ou outra passávamos pela biblioteca municipal, buscando alimento para nossos cérebros, e foi assim que passamos outra meia década no coração do país, não mais como gênios, mas como simples cowboys.
Apesar de morarmos na Philadelphia (Pensilvânia) atualmente, passamos um longo período no Kansas e foi lá que praticamente crescemos, dos 2 aos 10 anos, a localização de nossos familiares é dividida exclusivamente em dois locais, Nova Iorque e Kansas. Tyler gostava muito da antiga casa, dos esconderijos secretos que criamos, de nosso quintal que chamávamos de cemitério, pois cerca de uns 20 gatos foram enterrados nele, ninguém nunca soube é claro, os gatos da vizinhança apenas desapareciam, nós dois nunca gostamos de felinos, por outro lado havia Micha e Bob, os dois melhores cachorros que qualquer criança gostaria de ter, inteligentes e bem treinados, eles sim eram companheiros e nos traziam verdadeira felicidade, ao contrário de todo o resto.
Junto com o desenvolvimento de nosso intelecto, veio também a formação de nossas personalidades, peculiaridades e caráter; é evidente que isso torna cada ser humano único, olhando justamente por esse viés que eu me diferencio tanto de Tyler. Ética e moralmente falando ambos somos questionáveis no ponto de vista da sociedade, – não existe unanimidade no conceito “ética” – o que muitos não enxergam é o fato de não existir mais uma sociedade, e sim grupos sociais fechados. O racismo, o preconceito, as classes sociais, são esses elementos que criam e determinam os dias atuais, o mundo em que vivemos é líquido e escorre constantemente de nossas mãos, os conceitos de certo ou errado mantém-se distorcidos, os supostos valores são demasiados e se perdem ao tentar julgar, e quando julgados são eternamente manchados, um navio naufragado jamais navega novamente sobre os mares. A sobrevivência é do mais forte, não temos garantia das decisões que tomamos, estamos fadados a morrer ou perecer sob a pressão psicológica do nosso mundo moderno, amanhã com certeza será diferente de hoje, e se não deixarmos nossa marca entraremos em extinção. Não nos importamos com opiniões alheias, ou com castigos divinos, não, apesar de respeitarmos, contudo, estamos além disso, e creio que somos os corretos nessa história. Encaramos o mundo de um jeito diferente.
Compartilhamos a mesma visão da utopia na qual vivemos, agora, no que se refere a cada um de nós dois individualmente, somos quase opostos um do outro, primeiro porque as roupas que usamos deixam bem explícito quem é quem, segundo, as coisas das quais gostamos são diferentes demais, em filmes por exemplo, comédias românticas com certeza é o meu estilo, me divirto a qualquer momento com um filme desse gênero, o meu preferido é: 10 Coisas que eu Odeio em Você, de 1999, um clássico. Os gêneros preferidos de Tyler são: terror, slasher e o suspense, sua expressão enquanto assiste é quase zero, porém seus olhos brilham e ficam vidrados a cada segundo que passa na tela, seu filme preferido é: O Brinquedo Assassino, de 1988.
Eu sou um adolescente apaixonado, não especificamente por alguém, amo a literatura, e as várias histórias por ela exposta inspiram o meu cotidiano, sou um adepto de Shakespeare, minha paixão é pela fase, pela época, o abstrato, vivemos um momento de descobrimento, de nossos corpos, emoções, de pessoas, e fatalmente frequentamos a escola todos os dias, que é uma grande reunião de tudo no que se diz respeito à adolescência, que por sinal aflora todos os tipos de sentimentos em mim, mas nem todos são bons, o acidente do ano passado está aí para provar isto. Apesar de tudo esses momentos são de extremo proveito, aprendo cada vez mais sobre onde vivemos, ao contrário de Tyler, as coisas com ele são mais complicadas, sentimento não é algo que ele verdadeiramente tenha, meu irmão tem máscaras que são bem utilizadas em locais apropriados e situações propícias. Ele é o bad boy, conquistador, eu sou o normal, nem mesmo de nerd eu posso me chamar apesar de as vezes usar óculos, ambos temos um temperamento calmo, porém por motivos diferentes, enquanto eu uso de minha paciência para encarar o dia-a-dia e tentar viver uma vida normal, – na verdade ela não é normal – Tyler usa de sua falsa simpatia para controlar todos ao seu redor sem nunca perder a postura. Curiosamente fazemos parte do mesmo ciclo de amizade dentro da escola – o que para mim é surpreendente – e com outras pessoas que permanecem ao nosso redor, como por exemplo nossa família adotiva. A verdade é que cumprimos com um contrato social, nos damos bem e isso é fato, entretanto em momentos de privacidade mal nos olhamos, nós dois sempre estivemos presentes um para o outro, porém nossos ideais e pensamentos sempre se divergiram, por isso, mesmo estando lado a lado temos este enorme abismo que nos separa, exceto por uma coisa...– Escuto os passos dela, está se aproximando! – Tyler sussurra para mim enquanto se levanta lentamente, eu também havia escutado o som de seu salto alto ecoando pelo corredor do apartamento, já dei o sinal!
– Ela está colocando a chave na porta, ao meu sinal Tyler... Um, dois, três, e... já!!!
– SURPRESAAAAAAAAAA!!!!!!!! – Quase matamos minha mãe do coração, Tyler e eu pulamos na sua frente, meu pai, minha irmã, meus tios, tias, primos, e até meus avôs gritaram juntos surpreendendo minha mãe para comemorarmos seu aniversário de 55 anos.
– Ai meu Deus gente, vocês querem me matar de susto? Pensei que ninguém tinha lembrado! – Todos esqueceram, menos eu e Tyler, fazemos questão de cumprir com essas convenções sociais, mesmo não gostando.
– Amor, pegamos você direitinho. Hahaha! – Meu pai não se aguentava mais de ansiedade, pensava que ela tinha descoberto.
– Quase que você não chega mãe, estava preocupada! – Elise, nossa irmã mais velha. Usa de sarcasmo com nossa mãe, talvez ainda esteja vivendo a fase rebelde da adolescência.
– Eu demorei por causa do trânsito, essa cidade está sempre um caos, mas depois das últimas semanas parece ter piorado! – Sabemos bem!
– Eu sei amor, mas nem pense nisso, hoje é o seu aniversário!
– Sim querido, mas é impossível não lembrar dela... – Minha mãe é muito sentimental e não supera as coisas fácil.
– Nada de tristeza mãe, vamos festejar, eu saí mais cedo da faculdade e o papai saiu mais cedo do trabalho só para trazer este bolo enorme para a senhora! – Não gosto de bolo, não que alguém além de Tyler saiba disso.
– Que lindo! Parece ser uma delícia. Vou tomar banho e me trocar para a festinha. Antes deixe-me cumprimentar o pessoal!Enquanto minha mãe saía de cena para tomar banho, eu fui até meu quarto jogar um pouco de Devil May Cry 3, é meu jogo preferido do PS2, o de Tyler também, uma das poucas coisas que gostamos igual. Não fiquei com o pessoal curtindo a festa por que já presenciei isso outras vezes, e posso dizer com exatidão o que está acontecendo por todos os cantos do apartamento mesmo não estando lá; minha avó fica brigando com meu avô para não comer os camarões fritos que estão na mesa, pois ele é alérgico, meus tios estão todos bebendo e falando alto, perguntando ao meu pai quando ele vai decidir largar o emprego e se aposentar para passar o resto de seus dias pescando e jogando golfe, minhas tias no quarto de minha mãe querendo escolher algum vestido para ela usar enquanto colocam as fofocas em dia, meus primos espalhados pelo apartamento correndo e brincando, pelo menos os mais novos, e minhas primas, as que têm a nossa idade, com certeza estão flertando com Tyler enquanto Elise os observa ao longe, e eu, bom, estou jogando e aguardando o momento de cortar o bolo, o maldito bolo.
Esta já é a 4° vez que estou zerando esse jogo, sei tudo o que fazer, como derrotar os chefões, quais itens pegar etc. Por isso vai ficando cada vez mais chato e obsoleto. Eu me lembro bem da primeira vez que joguei ele, a mais ou menos um ano atrás, sim, quando tudo começou, quando Tyler e eu descobrimos as verdades, – na realidade, confirmamos algumas dúvidas, segredos pairavam sobre nossa família mesmo antes daquilo – quando nós iniciamos nossas pesquisas em busca de nossas origens e consequentemente nossa vocação, quando comecei a sentir mais forte esse vínculo entre gêmeos. Foi quando nós matamos uma pessoa a sangue frio.
A porta de meu quarto se abre, ao olhar para trás contemplo Tyler segurando a maçaneta com uma mão e com a outra ele segurava uma pequena faca de serra, automaticamente flash backs me vêm à mente, rostos e mais rostos sondam minha consciência, o problema é que isso não chega a me incomodar, mas alguma coisa me diz que deveria. Sem me dizer nada ele já me diz tudo, chegou a hora de cortar o bolo, o que me faz abrir um leve sorriso para Tyler, sei que aquela pequena faca de serra não seria usada para cortar o bolo, então por que ele a trouxe e deixou-a em minha vista? Provocação? Ele ama atiçar minha curiosidade apesar de saber que eu entendo tudo o que pensa. Tyler decidiu agir, escolheu alguém! Imediatamente ele se retira fechando novamente a porta, eu desligo o vídeo game e saio para o momento de celebração.
Ao ver minha mãe na sala reconheço que ela ficou verdadeiramente linda aos cuidados de minhas tias, os olhares se voltam a ela, porém sinto uma inquietação no ar, alguém não está realmente envolvido na confraternização, e eu sei quem é.
Há 4 anos atrás, quando tínhamos 11 anos de idade, não éramos mais inocentes, distinguir o bem e o mal, o certo e o errado era a coisa mais comum para nós que em segredo já superávamos aqueles que anteriormente nos estudaram. Como era evidente, Tyler desenvolveu mais a malícia do que eu, tudo isso em prol de seu prazer é claro, aprendia cada vez mais a arte da manipulação, e eu também aprendia com ele, afinal, tudo o que ele sabe, eu sei! E foi neste meio tempo que ele começou a profanar essa família. Naquela época Elise tinha 15 anos.
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Os Gêmeos: Na Ilha do Purgatório
Mystery / Thriller15 anos após os vários assassinatos cometidos em Manhattan pelas mãos do serial killer Buddha Puzzle, o país parece ter se livrado dos fantasmas do passado. Mas em Philadelphia (EUA) os brilhantes gêmeos adotados pela família Bryant cresceram e leva...