O Conselho de Erasmo

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Em homenagem a todas as mulheres, especialmente aquelas que ganham a vida na horizontal.

Gonzaga era um típico chefe de família classe média. Moralista, católico apostólico romano, mas que não dispensava uma farra com os amigos, um puteiro, vez ou outra, porque afinal já passara dos cinquenta. Na rua onde morava, só quem prestava era sua família. Os filhos dos outros ou eram maconheiros, veados ou sapatões. Todos os maridos da vizinhança eram cornos e todas as mulheres casadas eram barrangas que, segundo ele, só a terra comeria. Esquecia ele que tinha dentro de casa uma barranga que há quarenta anos suportava seu bafo de cachaça e seus estupros, afinal de contas quando ele queria trepar ou ela abria as pernas ou levava umas porradas.
Gonzaga casara com uma linda morena chamada Almerinda. Ele era muito bonito: concursado dos Correios e Telégrafos. Ela formada professora, mas logo deixou a profissão porque emprenhou e foi um bucho atrás do outro e também, segundo as palavras de Gonzaga, "mulher minha não trabalha, tem que cuidar da casa e dos fi".
A verdade é que Almerinda pariu, seguidamente, oito filhos de Gonzaga e só parou porque apareceu um tumor no útero e teve que retirar tal órgão sob suspeitar de contrair um câncer.
Pois bem, foram oito meninos: seis machos e duas fêmeas. Todos bem cuidados, diga-se de passagem, pois Gonzaga não deixava faltar nada. Quando chegaram a hora de estudar, foram se matriculando em escolas particulares. Em suma, todos se formaram com curso superior, menos o caçula.
Gonzaga, como todo macho de sua época, não admitia pederastia e para comprovar a "macheza" dos filhos, quando o filho completava quatorze anos, ele pegava o menino pela mão e, junto dos amigos, o levava a um puteiro. Contratava a melhor puta da casa e botava o menino para "trepar" com ela. No final, a profissional da horizontal tinha que dá seu veredicto. Ou seja, tinha que atestar que o novato era, de verdade, um macho.
E foi assim com Cláudio, o caçula. O rapazote, apesar da idade, era um homem alto, barba fechada, cabelos longos e a contra gosto do pai, queria ser modelo. O pai só deixava a barba e o cabelo compridos porque o menino fazia o papel de Jesus na Paixão de Cristo, no Colégio onde estudava.
Precoce, Cláudio teve sua primeira ejaculação aos doze anos, mas escondeu a ferro e fogo dos demais irmãos. O caçula descobriu então, apesar de tentar, que não gostava de namorar meninas.
Ele, pela altura, era o goleiro da seleção do colégio (um orgulho para Gonzaga) e atuava em tal posto porque, apesar de gostar de futebol, ficava também maravilhado com as pernas dos demais jogadores.
Mas o certo é que os quatorze anos estavam chegando e só de pensar no que aconteceria sentia o estômago embrulhar e ficava desesperado.
No colégio, Cláudio tinha um grande amigo, que era seu confidente para tudo. Chamava-se Erasmo e era muito inteligente. Sonhava em ser ator e se via nos palcos dos grandes teatros representando Shakespeare. Erasmo era um belo rapaz, mas que por força do preconceito escondia a paixão que sentia por Cláudio.
Cláudio, num crise de desespero, contou para o amigo os planos do pai e acrescentou: "cara, morro de medo desse dia".
Erasmo indagou então:
- Medo por quê?
Cláudio baixou a cabeça e, aos prantos, confessou baixinho, quase sussurrando:
- Não gosto de mulher...
Aquela confissão foi para Erasmo como uma declaração de amor. Agora sim tinha certeza que se apaixonara pelo homem certo.
Erasmo, todo emperdigado, disse para o amigo:
- Pois eu tenho um plano: escuta bem direitinho.
Cláudio sorria ouvindo o plano de Erasmo e apesar de arriscado, resolveu tentar.
No dia do aniversário de quatorze anos de Cláudio, houve almoço especial, ganhou presentes da mãe e de todos os irmãos, menos do pai que falou:
- Meu presente, eu lhe dou à noite.
Aquela afirmativa fez Cláudio ir ao banheiro e vomitar todo o almoço.
À noite, por volta das sete horas, Gonzaga, com os amigos e os irmãos mais velhos de Cláudio, falou:
- 'Vamo' alí, Cláudio, receber teu presente.
Almerinda, ainda com o avental, perguntou sorridente ao marido:
- Vocês vão pra onde?
Gonzaga fechou a cara e respondeu sem maiores delongas:
- Não é da sua conta, vá lavar a louça da janta.
A coitada ficou toda sem jeito e se recolheu à sua insignificância.
Gonzaga enfiou Cláudio ao seu lado no Opala Classic preto e num comboio de três carros dirigiram-se ao Barbarela, um dos cabarés famosos de então. Cláudio suava frio, mas lembrava de cada palavra do plano de Erasmo.
Ao chegarem ao cabaré, entraram todos e, sem rodeios, Gonzaga chamou o dono do puteiro e perguntou:
- Quem é tua melhor puta do plantel?
O dono do estabelecimento trouxe um loura oxigenada, mais enfeitada de que adereço de escola de samba.
Gonzaga olhou a puta de cima abaixo e pergunta:
- Como é teu nome, sujeita?
A moça se emperdigou, balançou a cabeleireira e disparou:
- Sujeita é a puta que lhe pariu. Meu nome é Adelaide.
Gonzaga deu uma gargalhada do atrevimento da quenga e disse:
- Pois, dona Adelaide, tenho um serviço para a senhora. Tá vendo esse homão aqui ao meu lado?
- E o que que tem? Indagou Adelaide.
Gonzaga riu e disse:
- Você tem duas horas para me provar que esse cabra aqui é macho.
Cláudio tremia e suava a ponto de molhar a camiseta, mas repassava na memória cada palavra de Erasmo.
Adelaide deu uma gargalhada e disse:
- Pagamento adiantado com o gerente. Vamos, meu bem, provar do que é bom.
Pegou pela mão trêmula de Cláudio e o saiu puxando para um dos inúmeros quartos do cabaré.
Ao entrarem, Adelaide se despiu e disse imitando uma atriz pornô:
- Vem cá, meu gatão.
Cláudio passou a mão na testa suada e disparou:
- Mulher, quanto você está recebendo por este serviço?
A quenga, espantada com a pergunta, indagou:
- Por que você quer saber?
Cláudio disse de supetão:
- Te pago o dobro se você voltar no salão e disser para o meu pai que eu fodo melhor do que qualquer macho que você já teve na cama.
Adelaide sorriu e, um pouco despeitada, perguntou:
- Por que? Não gostou de mim?
Cláudio explicou então:
- Muito pelo contrário, adorei tua valentia no salão com meu pai, mas tem uma coisa que quero lhe falar...
A puta se encheu de curiosidade:
- Que coisa, menino?
Cláudio respirou forte, encheu o peito de ar e lembrou das palavras de Erasmo:
- É que não gosto de mulher... Não quero ser obrigado a fazer o que não gosto nem a lhe usar feito um objeto.
Os olhos de Adelaide se encheram de lágrimas e ela se lembrou quando, com nojo, teve que se entregar a um caminhoneiro fedendo a cachaça para levar dinheiro para comprar remédio para a mãe que estava com câncer.
Adelaide abraçou o adolescente e disse:
- O dinheiro eu aceito e contarei para o porco do seu pai, desculpa a sinceridade, do jeito que você me pediu.
Cláudio deu um beijo na testa de Adelaide e só então notou o quanto ela era bonita, apesar de maltratada.
- Mas o que vamos fazer aqui durante duas horas, menino, perguntou Adelaide.
Cláudio sentou na beira da cama e pediu para Adelaide deitar a cabeça em seu colo.
A quenga ficou espantada porque nunca fora tratada assim por um cliente.
Deitou-se, aliás, aninhou-se no colo daquele gigante de apenas quatorze anos e contou-lhe toda a sua vida. E Cláudio, por sua vez, deu dicas de maquiagem para a amiga e assim se passaram as duas melhores horas da vida de ambos.
Ao voltarem ao salão, o velho Gonzaga, agoniado, perguntou sem rodeios:
- E aí, minha filha, o menino é 'home' ou não é?
Adelaide abraçada a Cláudio disse bem alto:
- O moleque trepa ma-ra-vi-lho-sa-men-te bem, aliás foi o melhor homem com quem já fudi em toda a minha vida.
E piscou o olho para Cláudio.
Gonzaga sorridente, meteu a mão no bolso e, em seguida, enfiou um bolo de cédulas no decote de Adelaide.
Cláudio recebeu os parabéns dos irmãos, dos amigos do pai e do próprio pai e sentiu vontade de vomitar na cara de cada um deles.
Naquela noite, Cláudio não dormiu lembrando da história de vida de Adelaide. No outro lado da cidade, Adelaide guardava na bolsa a correntinha de ouro que ganhara do adolescente e decidiu que ia usar todas as dicas de maquiagem daquele menino que a tratara como uma princesa.

Fortaleza, 05 de março de 2020.

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