A todos aqueles que viveram a felicidade do que significava um simples carta, especial a você meu amado Pedro Vieira.
Nos anos de 1980, não imaginavámos nem o que fosse internet. O meio mais comum de comunicação entre as pessoas, especialmente entre os jovens, era a carta. Havia, incluive, pessoas especialitas em escrever cartas. Assim, no subúrbio, sempre tinha um "fulano de tal" que escrevia cartas. Sigilo não era o requisito principal para o escritor dd cartas, mas sim uma boa caligrafia. Aquele que tivesse uma boa caligrafia, ganhava a clientela do lugar.
No auge dos meus doze anos, gostando ler como sempre gostei e capaz de decorar poemas inteiros, eu era o "escritor de cartas" (ou escrividor de cartas, como dizia o pessoal) oficial da minha rua.
Eu escrevia cartas para namorados, para pais que estavam distantes, para santos pedindo graças e até para "caboclo da macumba" fazendo pedidos a serem atendidos nos trabalhos e despachos nas encruzilhadas.
Como já falei, eu era um leitor compulsivo. Lia até bula de remédio é quando me tornei coroinha na Igreja de Nova Assunção, eu trazia para casa, escondido da secretaria paroquial, o Missal Romano para ler e decorar as partes que eu, coroinha, tinha que responder durante a missa. Pois num foi que num desses dias em que trouxe o Missal para casa, num triste acidente, eu não derramei um corpo de café nas páginas do livro, que por sinal era gigantesco.
A sorte é que o café foi derramada nas últimas páginas do livro, justamente o índice, onde apenas o padre ia procurar para marcar com umas fitas coloridas que o livro tinhas as partes desta ou daquela missa. Depois daquele incidente, nunca mais me aventurar a trazer o Missal Romano para cara.
Numa bela manhã de sábado, eu estava lendo Capitães de Areia, de Jorge Amado, quando me chegou um amigo meu, por nome Arnaldo, trazendo uma revistinha com um globo na capa e umas coisas escritas num alfabeto que eu não conhecia e outras em inglês. Arnoldo, mais feliz do que pinto em lixo, foi logo me mostrando:
- Olha só, Batista, o que eu ganhei do namorado de minha irmã que trabalha nos Correios.
E Arnaldo me mostrou uma revistinha do tamanho de um gibi do Cebolinha. Chamava-se Allelographya Worldwide e servir para promover a amizade entre os povos de todo mundo, em qualquer língua, embora a língua oficial fosse o inglês.
Fiquei curioso para saber como a gente podia participar daquela revistinha para ter amigos no mundo inteiro. Aí veio a parte mais difícil: para ser assinante (esse era o termo correto) da Allelographya, a gente tinha que escrever um anúncio em inglês, falar um pouco da gente e dizer com quem gostaríamos de nos corresponder e colocar dentro da carta um dólar norte-americano. Aí o bicho pegou: onde dois lascados que nem nós iríamos conseguir um dólar cada um?
Fui, então, na diretora da minha escola e perguntei como se fazia para comprar um dólar e quanto valia. Dona Francisca Muniz, minha diretora, muito educadamente disse:
- Você vai na EMCETUR, na Praça da Estação, e chegando lá você procura um cambista (lá é cheio de cambistas) e pede um dólar. Um dólar está custando uns seis cruzeiros.
Aqueles seis cruzeiros foram apenas o começo dos nossos desesperos porque além do dólar, ainda tínhamos que pagar a carta, que não podia ser uma carta simples não, mas na modalidade "carta registrada" porque iria para o exterior, no caso na Grécia. A Allelographya Worldwide era uma revista grega.
Depois de muito escrever cartas, esconder moedas de troco de pão e ainda fazer muitas capas de trabalho para os colegas de classe, eu finalmente consegui a fortuna de dez cruzeiros, o que era uma fábula para à época.
Assim, auxiliados por uma dicionário de inglês, eu botei numa folha de papel de cartas, que a gente comprava na mercearia:
My name is Francisco Batista Lima. I live in Fortaleza, Ceará, Brazil. I am 15 years (detalhe: só podia participar de 15 anos para cima) and I would like to have friends worldwide.
Copiei o mesmo texto para Arnaldo, apenas mudando o nome, claro, colocamos nuns envelopes que amtigamente tinha as bordas verde e amarelas, fechamos com cascolar e super felizes fomos à Central dos Correios para enviarmos as duas correspondências para a Grécia.
E quem foi que disse que conseguimos? Naquela época, só quem podia enviar carta era adulto. Foi, então, que Arnaldo se lembrou de seu cunhado. Foi um século para falar com ele, mas ele, na nossa frente, enviou nossas assinaturas para a Allelographya Worldwide.
Ficamos feliz e os meses se passando e nada de cartas. Somente um ano depois começou a chover carta para mim e para o Arnaldo. Eu recebia de dez cartas por semana. Aí veio o desafio: como ler e responder a todas àquelas cartas se o nosso inglês não passava de Yes ou No.
E assim, fomos e eu Arnaldo, nos esforçando para aprendermos a língua de Shakespear e à medida que a aprendíamos trocavámos informações e conhecíamos costumes e prssoas do mundo todo.
Foi também por essa época que entrei em contato com a Cultura Russa e através das embaixadas estrangeiras em Brasília consegui inúmeros livros sobre a língua nativa de cada país, bem como sobre sua filatelia e numismática. Como eu era filatelista, aumentei minha coleção e cheguei a ter mais de cinco álbuns completos com selos de todo o mundo.
Fortaleza, 02 de abril de 2020.