Cinald e Pedro

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Cinald Amil parou no umbral e olhando para suas cicatrizes que não paravam de sangrar, pensou consigo mesmo o que poderia fazer para salvar aquele rapaz que tanto amara e por quem tirara sua própria vida.

Cinald Amil estava extremamente solitário, como sempre fora, a procura de um espírito amigo que viesse, pelo menos, fazer-lhe companhia.

Todo o horizonte daquele umbral era violeta. Alguns luzes púrpuras ainda indicavam que vinha alguém com mais dores e correntes arrastando pelos pés.

Cinald baixou a cabeça e ao levantá-la estava diante de seu amado Pedro, que se fora de casa pela mesma estrada que ele.

Pedro o abraçou e as lágrimas de Cinald rolaram feito lama na torrente de um rio que transbordou e alagou uma vila inteira e todos morreram.

- Pedro, o que pode ser feito por ele? Cabe algum resgate mesmo que as mais duras penas?

Pedro, então, caminhou com Cinald ap seu lado e enquanto andava Pedro comentava:

O rapaz é um ex adicto. A qualquer hora pode voltar a tortuosa estrada. Vive de tirar vantagens das pessoas que dele se aproximam. É uma criatura extremamente ardilosa, mentirosa e cujo sistema imunológico já foi afetado por inúmeras moléstia, inclusive a pior delas.

Cinald deixa eu te mostrar uns filmes. Vem comigo.

Foram até uma colina avermelhada e aquele menino era selvagemente ferido por um acadêmico claudicante e de olhar malévolo e cabelo cacheado. Jorrava sangue de seu rosto. Gritos, polícia, gente correndo.

Noutra parte da colina, o menino era dominado pelo vício e jazia na sarjeta sem ninguém para ampará-lo. Alguns riam e seus ex amores passavam com nojo e no frio da madrugada ele sonhava com a morte, mas era muito covarde para atraí-la.

Acima, a esquerda, a polícia levava os dois, ele o acadêmico, para a cadeia por violência contra uma criança. A criança sangrava e apontava os dois como seus algozes. Dor, violência entre as grades e a morte lambendo os calcanhares dos dois.

Abaixo, quase ao rés do chá, aquele menino era um velhote sujo puxando um carrinho de reciclagem. Não tinha quase mais nenhum dente na boca. Alguns ainda o cumprimentavam e para matar a fome ele engolia goles e goles de uma aguardente forte como gotas de fogo.

Havia várias telas em branco e Cinald perguntou a Pedro que filmes seriam aqueles. Pedro falou mansamente:

- São os filmes que ele pode atuar se sair da estagnação em que parou. Mas é difícil porque sua índole é mais dura que o aço e sua moral é lama pútrida.

Cinald pediu a Pedro para não mais ver nenhum das planos que estava escritos e registrados para se cumprirem segundo a vontade do Todo Poderoso.

Ao descerem para a planície, Cinald Amil perguntou ainda a Pedro:

- Tu que tens mais luz que eu, diz-me: o que será da pobre moça?

Pedro abraçou Cinald e disse "que amor tu tens por ela". Ela seguirá sozinha porque a perversidade dele há de afastá-la dele como ele sempre faz. Será tão doloroso, mas ela irá. Irá sozinha aos prantos.

Cinald tomou a mão do amigo e disse:
- Só mais uma pergunta: e o bebê?

E Pedro foi sumindo na bruma lilás do umbral onde Cinald se encontrava e alguém, que Cinald não via, lhe disse:

- Não podes sair daqui agora até que toda a história se complete. Apenas senta, assista e, se quiseres, chora bastante.

Fortaleza, 31 de março de 2020.

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