A Mão de Ledinha

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Em homenagem a todas as mulheres que eu amo, especialmente minha irmã e minha mãe.

Nos fins dos anos 70 e durante todos os anos 80, minha vida intelectual e amorosa se resumia às atividades noturnas na Pracinha do Benfica. Eu cursava Francês, Alemão, Italiano e Espanhol e, apesar de ainda estar no nível médio, eu já me considerava um universitário. Na verdade, a grande maioria dos meus amigos eram universitários, quase todos das humanas, onde de fato eferversciam as ideias política e manifestações contra a Ditadura Militar, que ainda era muito forte.
Eu e meus amigos tínhamos na Pracinha do Benfica nossa fortaleza e, claro, nossos contatos. Alí a gente trocava e emprestava livros e, em meio aquela zoeira, a gente tomava muita caipirinha, muita cachaça e os "mais cabeça" fumava um baseadinho nos banheiros do CH (Centro de Humanidades).
Dentre todos as minhas amigas, havia uma que era, para mim, como uma mentora intelectual. Chamava-se Leda de Carvalho e era acadêmica de jormalismo. Era ela quem me pagava as doses de caipirinha e/ou cana e sempre me presenteava com uma carteira de cigarro.
Ledinha, como a gente a chamava, era uma feminista de carteirinha e sempre tomava a frente nas ações em defesa das mulheres e minorias.
Ledinha não levava desaforo pra casa e se pisassem no seu calor, ela rodava a bahiana e, sem temor algum, fazia o maior escândalo.
Como ela era uma morena de corpo escultural e tinha uma vasta cabeleira cacheada, eram comuns as cantadas que levava quando a gente trafegava pela Pracinha. Se o cabra exagerava, ouvia poucas e boas de Ledinha.
Em setembro daquele ano de 1980, houve um encontro nacional de estudantes de jornalismo e o CH 1 e 2 ficaram lotados de alunos de todos os estados do país. E eu, lógico, estava no meio. Fiz muitos amigos de fora e namorei e bebi horrores.
No último dia do encontro, numa sexta-feira, não desgrudei de Ledinha e à noite, após eu tomar um banho no apartamento dela, fomos para a Pracinha. Ela usava um shortinho jeans curto e uma blusa xadrez que ela deu um nó à altura do umbigo, em vez de usar os botões. Ficamos batendo perna pela praça e a gente já tinha ultrapassado a vigésima caipirinha.
Chegamos numa banquinha para mais uma dose, quando um idiota sem camisa, usando calção de jogador de basquete chegou para Ledinha e disse:
- Sabia que você é uma morena muito gostosa?
Ledinha, já bem alta, ignorou o sujeito e me chamou para irmos embora. Foi aí que tudo aconteceu: o carinha passou a mão na bunda de Ledinha e ainda deu um tapinha.
Saímos e, no meio do caminho, minha amiga me parou e disse:
- Vamos voltar pra eu fuder com aquele escroto.
Aconselhei minha amiga a deixar para lá, mas já era tarde demais.
Ledinha voltou e encontrou o cara de costas. Ela deu um tapa na bunda do sujeito que se virou e disse:
- Ah é a gostosa! Tá afim de quê, gostosa? De rola?
Ledinha olhou na cara dele e perguntou:
- Eu tô afim de quê?
O carinha sorriu e disse bem alto:
- Gostosa e tem uns 'peitinho' massa!!!
E foi aí que o bicho pegou porque o carinha passou a mão nos peitos de Ledinha. Ela sorriu e repetiu bem alto:
- Eu tô afim de quê?
E, sem esperar resposta do carinha, ela fechou a mão direita 'nas partes íntimas' dele e segurou com força enquanto perguntava:
- Eu tô afim de quê, filho da puta?
O sujeito estava aflito porque Ledinha segurava com força e já sentindo dor, ele falou:
- Me solta, sua louca!!!
E Ledinha continuava apertando e o carinha começou a suar e minha amiga indagava bem alto:
- Eu tô afim de quê, filho da puta?
A essa altura do campeonato, já tinha juntado uma multidão a nossa volta e a moçada gritava:
- Arranca, arranca!!!
O sujeito foi esmorecendo e aos berros pedia:
- Solta, moça, por favor, solta!!!
Foram uns vinte minutos de 'esganadura no pau e ovo' do carinha. Ledinha só soltou porque a polícia chegou e tirou a mão da morena da genitália do caboclo que estava mais suado do tampa de cuscuzeira.
Ledinha se recompôs e disse:
- Vamos embora, quero lavar minha mão que está pura a rola de macho escroto.
E depois daquele dia, nunca mais se viu aquele sujeito por aquelas bandas e as meninas puderam passear à vontade pela Pracinha do Benfica sem serem importunadas por muito macho escroto que ainda existe aos montes neste mundo de porcos chauvinistas.

Fortaleza, 07 de março de 2020.

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