Vegas Nunca Morrerá

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Vegas há de rolar qual as pedras
Que rolam na estrada
Sem ter nunca um cantinho de seu
Para poder descansar.
Adaptado de Vingança, de Lupicínio Rodrigues

Sentado nesta cadeira desengonçada, olhando pela janela de persianas quebradas, observo a noite chuvosa.

Faz um frio insuportável. Meu busto velho despido, enrugado e com o peito coberto de pelos brancos e pretos, parece aqueles arbustos cobertos de lama quando há cheia dos rios e a água invade casas e vilarejos.

O celular, sob a cama de colcha quadriculada, toca toda a trilha sonora de minha vida inteira.

Olho a rua deserta e me vejo com um grupo de amigos planejando o futuro. E a voz de Aznavour nos acompanha com La Bohème. Um queria ser artista, uma outra queria ser atriz e eu sonhava com uma carreira literária Internacional.

Um avião passa e a luz de uma de suas asas desenha a Tour Eiffel ante os meus olhos. Parece que cae neve diante de mim e entre meus dedos um Gitane Blond e o gosto de um champagne bem gelado. Na verdade, nunca verei a Torre Eiffel nem caminharei pelas ruas de Paris. La France est mon rêve défendu. Tento chorar, mas já chorei demais. A única coisa que não me sai da cabeça é cortar meus pulsos e ver a vida seguir adiante feito as águas do Rio Sena, em Paris.

Toca num rádio, na vizinhança, um reggae na voz de Bob Marley e, vem-me à cabeça, as lembranças do maior cafajeste do submundo gay que já conheci: Vegas.

Penso comigo mesmo: homem, mate Vegas. Ele já lhe causou danos demais.

Sabe por que não se pode matar Vegas?

Porque Vegas é uma doença incurável: ela vai e volta, tornou-se crônica. Vegas é um câncer que se nutre da fraqueza dos outros, dos amores que desperta. Vegas destrói as pessoas e deixa plantada nelas a culpa por tudo de ruim que ele é.

Ele manipula e quando a vítima não cede, ele inventa crises de ansiedade e depressão e se entope de remédios para provar que sofre. Tudo mentira!

Nessa hora, quando todos crêem em seu sofrimento, ele cai em gargalhadas pelos cantos. Ele tem uma técnica de tomar aquilo que deseja. Ela fala com voz de sofrimento:

- Você é meu porto seguro... Eu te amo demais...

Ou então ele sussurra com sua voz de chapado:

- Não solta a minha mão, você é minha esperança.

Ele agiu assim com a bicha velha que se matou e com todos os veados pela vida dos quais ele se fez parasita. Ele é, na verdade, um parasita.

Acontece que tem um dia da caça e do caçador. E um belo dia, num pocilga chamada Grindr, Vegas encontrou seu filósofo.

O professorzinho de filosofia de quinta categoria, jurava-se católico apostólico romano, mas, na verdade, é mesmo um craque na arte da dissimulação, mentira e traição. Uma cópia tacanha de Vegas.

E ambos passaram a se encontrar, mas algo deixava Vegas com ódio: o filósofo era sovina demais. Às vezes nem o dinheiro do cigarro ele deixava. Além do que Vegas, ao lado do filósofo, reaprendeu a andar de ônibus.
Entre os amigos íntimos, o filósofo trata Vegas de o Cafuçú Favelado ou de o Roludo do Pirambu.

E julgando-se esperto, Vegas passou a se corneado e nem imaginava que deixava o filósofo em sala de aula e ele se metia nas saunas gays da cidade.

Um dia, o filósofo, maquiavélicamente, falou a Vegas:

- Sou soro positivo indetectável. Me perdoa, mozão.

Só então Vegas se apercebeu que nunca usara preservativo com o filósofo.

E Vegas se incluiu no programa do PrEP e aquilo acabou com seu organismo já debilitado. Mas Vegas continuou extorquindo o pouco que o filósofo lhe dava e, por vingança, pois como sempre fora costume seu, a trair o filósofo.

E Vegas que já tinha pegara sífilis, pegou gonorreia e tratou -se sobre os protestos do filósofo que o chamava de promíscuo, quando na verdade ambos eram promíscuos e sujos e vis.

E, por fim, Vegas falou, com prazer ao filósofo, que estava que com papilomavírus humano (HPV). O filósofo fez cara de horror e sussurrou um monte de ohs, ohs, você não poderia ter feito isso comigo que sou profissional da educação. E ficou nisso mesmo, embora miseravelmente o professor tenha pago os ácidos para cauterização das verrugas pustulentas de Vegas.

Vegas ainda vive disfarçado de bom moço na esperança de dar um golpe numa bicha velha como ele mesmo escreveu:

Das poucas vezes que te comia, eu tomava azulzinho porque teu corpo velho, magro e verruguento nao fazia meu pau subir, Vá trabalhar, advogado falido de merda, trabalhe para poder sustentar um outro boy; eu arranjo outra bicha velha que tenha dinheiro e ainda mais bonita que você.

Engraçado como são as coisas: Vegas deu um golpe num professorzinho fodido de Filosofia e ambos
distribuíram chifres um no outro gratuitamente. Sem contar que o professorzinho, dizem as más línguas, é chegado a um negrão africano, dos inúmeros que infestam a UFC. Fazendo uso do meu veneno, que é gratuito, soro positivo indetectável também transmite, n'est-ce pas, mon cher?

Mas, apesar de ter tudo, não quero a morte de Vegas. Quero que Vegas envelheça sozinho e se torne uma bicha velha à cata de veadinhos novinhos que vão transar com ele por alguns reais ou à custa de alguma azulzinha. E Vegas não será um advogado falido de merda porque nem faculdade ele fará. Será apenas uma tiona fedendo mais a nicotina do que cinzeiro de bar, além de uma boca repleta de dentes podres.

Agora, deixando de lado o nefando Vegas, eu me indago: por que que eu escrevo? Pra quê que eu escrevo? Pra quem que eu escrevo?

Ninguém lê essas porras sobre um veado de quinta categoria, golpista, perverso e pervertido chamado Vegas.

Se lêem, é na esperança de tocar em uma punheta pensando nas práticas doentias de Vegas, tipo sujar-se de sangue dos adolescentes que ele fere com seu sexo bestial. E ela lambe esse sangue, vampiro compulsivo sexual.

Na verdade, eu sou apenas um escritorzinho fodido querendo dar uma de James Joyce ou de Rubem Fonseca.

Eu não passo de uma bicha velha feia e pobre; que devia ter trabalhado, e muito, para sair de meu casabre, dessa vida de velha doutora, porém falida.

Resumo final: pare de escrever, bicha falida porque se Vegas lesse o que você escreveu ia apenas lembrar que, num noite de sábado, após um show de reggae, ele se entopiu com dois viagras e fingiu, com cara de nojo, que tinha gozado com você quando, na verdade, ele foi ao banheiro e vomitou de nojo e na volta se encheu de alprazolan 2 mg e apagou deixando o "veado" sangrando numa cama cujo colchão fedia a esperma, nicotina e cuecas usadas e deixadas lá como num monte de lixo.

Vegas ainda existe, está nas ruas do Pirambu disfarçado de bom moço, assaz altruísta, mas com o celular repleto de veadinhos que ele há de usar nas pedras do calçadão, como uma varejera sobre uma carniça repleta de vermes.

Fortaleza, 03 de agosto de 2020.

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⏰ Última atualização: Aug 03, 2020 ⏰

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