L'Enfer, c'est les autres (Vegas)

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Sartre, em sua peça Huis Clos, escrita em 1943, nos disse que "o inferno, é os outros". Aquela Bicha Velha carcomida de verrugas e com um hálito fétido encontrara seu inferno. Esse inferno chamava-se Vegas.

Chamava-se Vegas porque ele é um demônio apenas adormecido e que a qualquer momento pode levantar-se de seu umbral maldito e ir à caça de algum pederasta idiota que acredita no amor. O amor, pobres pederastas imbecis é como a canção de Erasure:

Oh l'amour
Broke my heart
And now I'm aching for you
Mon amour
What's a boy in love
Supposed to do?

E para aquela bicha corcunda nos seus cinquenta anos, Vegas foi o anjo que, uma noite, desceu de um ônibus, de bermuda e jaqueta branca e um sorriso perolado. O pederasta já trazia consigo uma carteira de Minister vermelho. Deu-a a Vegas. E o encontro não durou nem uma hora porque, segundo ele, tinha que chegar cedo em casa.

Naquela mesma noite, a bicha mais idiota do mundo escreveu para Vegas:

Hoje eu conheci um anjo moreno
De asas prateadas.

Vegas leu a mensagem e enquanto "trepava" com um garoto de programa amigo seu, riu e mostrando-a ao companheiro este comentou: bicha ridícula.

E enquanto ambos davam uma pausa nas "trepadas", Vegas dizia, pelo aplicativo de mensagem, adorei te conhecer, meu lord. Lord feito de lama negra dos esgotos em que Vegas trafegava.

Um dia, um amigo, por piedade da bicha velha apresentou-lhe um cara moreno, metido a artista, que tocava violão muito mal e declarou:

- Sabe, moço, não quero fazer fofoca de ninguém, mas você se meteu com um puta pervertido.

A bicha, cega de amor, não acreditou que Vegas, numa tarde, participara de duas surubas. Uma delas com aquele cara moreno e feio, que morava no José Walter com seu companheiro. E o pederasta lembrou que numa noite de domingo tentou fazer sexo oral nele, em Vegas, mas nem excitar-se ele se excitou.

E os dias viraram costume de a bicha velha ficar conversando até a madrugada com Vegas e, quantas vezes, Vegas estavam trepando feito um cachorro no cio. Na verdade, ele era um cachorro no cio.

E o inferno se fez. E a bicha velha conversando, um dia, com o melhor amigo de Vega, um carinha trans, soube do seguinte segredo:

- Mano, Vegas não presta pra nada não. Sabe por que ele demora tanto a transar contigo?

O pederasta, sem acreditar e achando que Diogo era um despeitado, indagou:

- Por que?

Diogo pegou cinquenta reais com a bicha velha, agradeceu e comentou:

- Porque eu arranjo azulzinho pra ele.

A bicha se fez de burra e mudou de assunto, depois pesquisou:

Azulzinho é o Citrato de sildenafila ou simplesmente sildenafil. É um fármaco que é vendido sob os nomes de Viagra (usado no tratamento da disfunção eréctil no homem - impotência sexual) e Revatio (usado no tratamento da hipertensão arterial pulmonar).

A Bicha chorou, mas seu inferno ainda estava por começar. Mas tudo tem um fim: a vida tem um fim porque tudo é transitório, até a própria vida.

Naquele quarto, dentro daquela banheira, sentindo todo o seu sangue esvair-se com um riacho rumo ao mar, a bicha velha cheia de verrugas e hálito tão podre quanto uma latrina lembrou-se:

Hoje eu conheci um anjo moreno
De asas prateadas.

E enquanto os ansiolíticos faziam efeito, aquele miserável magro, ossudo, com um peito de pombo cheio de pelos grisalhos lembrou-se:

Dying
Is an art, like everything else.
I do it exceptionally well.

Morrer é uma arte, como tudo mais. Faço isso excepcionalmente bem.

E enquanto Vegas ouvia Janis Joplin numa tarde de muito ódio e calor, o pederasta foi encontrado morto e seu sexo parecia uma das muitas verrugas que ele tinha no corpo de meio século de existência.

E todos deviam morrer jovem porque a morte na velhice fede como o hálito daquele infeliz de pulsos cortados e pele de cera úmida em decomposição.

Fortaleza, 21 de setembro de 2019:
Um Dia Perfeito Com As Crianças

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