Meu Amigo Pereira

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Eu e Pereira chegamos à adolescência e começamos a namorar, mas nossa amizade era como uma muralha: nada conseguia abalar, ainda porque fofoca não vigorava entre nós.

Todavia, a vida de meu amigo foi marcada de tragédias. Pereira era filho de um caminhoneiro: homem forte, trabalhador, que conhecia o Brasil de ponta a ponta.

O pai de meu amigo casou com uma professora e com ela teve dois filhos: Francisco Pereira Júnior e Leila Macedo Pereira. A mãe, apesar dos dois filhos, não deixou de lecionar. Era uma católica praticante à moda antiga: usava até véu quando ia à igreja e às missas.

O pai de Pereira era um sujeito bonachão: adorava uma cerveja e gostava de contar piadas cabeludas pra gente, além das aventuras que ele vivia nas estradas por esse país afora.

Pereira chegou aos dezoito anos e Leila tinha dezesseis.

Dois anos antes de atingir à maioridade, Pereira chegou chorando na escola e desabafou comigo:

- Macho, minha mãe vai morrer...

Fiquei sem saber o que dizer e como meu amigo chorava muito, eu perguntei:

- Como tu 'descobriu' isso, irmão?

Ele disse que tinha ouvido sua mãe dizer à tia dele (irmã de sua mãe) que cuidasse de seus filhos porque estava com os dias contados. Ela estava com um tumor no seio. Só depois, eu soube que era o tal de câncer de mama.

Três meses depois, a mãe de Pereira faleceu. Seu pai só faltou enlouquecer porque ele era apaixonado pela esposa. Como fora combinado, a cunhada do Seu Pereira passou a cuidar de meu amigo e sua irmã Leila.

Aos dezoito anos, o pai de Pereira comprou um outro caminhão e o deu para o filho, pois queria respeitar o desejo do filho em seguir sua mesma profissão. O velho caminhoneiro, no entanto, pediu que o filho terminasse o ensino médio.

Mas Pereira era um péssimo aluno. Seu desejo era deixar a escola e seguir a carreira do pai. Ele costumava me dizer:

- Quem nasceu pra ser doutor é tu, macho. Eu nasci pra dirigir caminhão.

Nas férias, Pereira ganhava a estrada junto com o pai. Ele sempre me trazia uma porrada de lembranças e doces.

Quando Pereira completou dezoito anos, tirou a carteira de motorista e ele a mostrava pra gente como se fosse um troféu. Mas outra tragédia aconteceu.

Seu Pereira, pai do meu amigo, saiu do Paraná para vir pra Fortaleza e naquele dia chovia muito. Numa curva, o pai de Pereira perdeu o controle da carreta e desceu barranco abaixo. Na brusca descida, o pai de meu amigo foi cuspido da cabine e teve vários traumatismos, além de quebrar o pescoço.

A morte do pai foi uma segunda tragédia para meu amigo Pereira. Como estávamos no segundo semestre, Pereira não compareceu mais ao colégio naquele ano.

No começo do ano seguinte, ele foi em minha casa e me disse:

- Amigo, recuperamos a carreta de meu pai. Um amigo nosso trouxe a máquina pra Fortaleza. E eu vou seguir viagem. Vim só me despedir, sigo amanhã pra São Paulo e de lá pra Minas. Vou te trazer uns doces e umas lembranças. Reza por mim, viu?

Abracei meu grande amigo e passamos a tarde jogando dominó no chão da sala lá de casa.

No outro dia, Pereira, todo alegre, passou cedinho lá por casa, buzinou e quando eu saí ele falou:

- Até a volta, meu irmão do coração. Sempre vou te amar, seu gênio!!!

Encheu os olhos de lágrimas e seguiu estada afora. Tive um aperto no peito e quando entrei, sem falar nada, mamãe me abraçou e me deu um beijo na testa.

Um mês depois, numa estrada de Minas, um carro trancou o caminhão de meu amigo Pereira.

Pereira não conseguiu desviar e capotou chocando-se com vários outros caminhões.

Pereira morreu de traumatismo craniano, aos dezoito anos, em sua primeira viagem como caminhoneiro.

Fortaleza, 06 de abril de 2020.

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