A Guerra: Primeira Batalha

4 2 1
                                    

Nunca fui um entusiasta de futebol. Na rua onde eu morava, mesmo sendo dono da bola, eu não conseguia convencer a garotada a jogar comigo. Então eu usava a bola pra gente jogar carimba.

Ah, no carimba eu era um campeão: cada carimbada minha fazia, às vezes, as meninas chorarem e a marmanjada me olhava enviesada e dizia:

- Béisso, mah, bate com força demais tu!!!

Na escola, nunca joguei futebol, embora gostasse de ficar na quadra xingando o time oposto, especialmente se fosse de uma série superior à minha.

Na Escola Marvin, todo ano tinha o interclasse e por eu ser extremamente "baldeador", em geral, a direção me proibia de assistir aos jogos. Isso, porém, não era problema: eu rodeava a Escola e pulava o muro e ia direto para a quadra.

Num desses interclasses, tive a brilhante ideia de mijar num saco plástico e jogar nas costas dos jogadores do time oposto ao dos meus amigos.

Eu fazia Análises Químicas e nossa rival era a turma da Eletricidade/Física.

Em agosto, após as férias de meio de ano, voltamos com todo gás para o segundo semestre e eu estava indo bem nas notas no segundo ano. Não queria mais ser suspenso e capricharia nas notas.

Na segunda quinzena de agosto, foi marcado o interclasse. Quando olhei as chaves, o primeiro jogo era Segundo de Química x Terceiro de Eletricidade. Eu não entendia porra nenhuma de chave, mas combinei com Cléber, Carlos e Sílvia de começarmos a batalha de sacos de xixi na turma da Eletricidade.

O esquema era o seguinte: a gente, os meninos, ia para baixo das arquibancadas e urinava em sacos plásticos. A gente dava um nó na boca do saco e levava para o último vão da arquibancada. Então a gente começava a xingar a galera do time oposto para depois arremessar os sacos.

Naquele jogo, um dos grandes goleadores da Eletricidade era o Montenegro, um grandalhão que não me engolia, nem eu a ele.

Quando o jogo começou, o grandalhão da Eletricidade fez o primeiro gol e haja aplauso e haja vaia da nossa turma da Química. Então olhei para Cléber e ele me passou o saco. Peguei uma agulha no bolso, furei o saco e girei três vezes antes de arremessá-lo nos peitos de Montenegro.

Quando o saco estourou, Montenegro passou a mão e cheirou: era mijo. O grandalhão olhou à volta procurando que jogara o saco. Quando seu olhar cruzou o meu, dei duas bananas pra ele e ele balbuciou:

- Me aguarde, filho da puta.

Eu respondi com minha boca sempre suja:

- Vai tomar no teu cu, baitolão.

E o jogo continuava e minha turma perdia assustadoramente até que chegou ao fim com um placar de Eletricidade 3 x Química 1.

Todo mundo começou a dispersar e nossa turma ficou na quadra mamando um resto de cachaça que sobrara daquele jogo. Entrar com bebida no colégio poderia causar até expulsão, mas a gente tinha a nossa fonte, que nos passava a cana pelo muro lateral da Escola.

Quando quase todo mundo já tinha ido embora, disse para Sílvia e Cléber:

- Pessoal, vou no banheiro mijar, volto logo.

Eu tinha acabado de mijar quando ouvi passos entrando no banheiro. Pensei que fossem Sílvia e Cléber, então brinquei:

- Vieram balançar, foi?

Quando me virei, vi Montenegro que estava acompanhado com mais três caras do time dele. Ele sorriu e disse:

- Vim balançar teus ossos, seu baitola.

Dois dos companheiros de Montenegro, me seguraram e o filho da puta, como era mais alto, botou a rola pra fora e mijou no meus peitos. Só não mijou na minha cara porque eu esperneava e ficava na ponta do pé. Eu gritava, mas o terceiro filho da puta enfiava uma camiseta dobrada na minha boca.

Depois da mijada, Montenegro tirou meus óculos e pisou em cima e não sobrou nem a armação. Depois de destruir meus óculos, começou a mão de peia. Apanhei tanto do grandalhão do Montenegro que quase desmaiava.

Foi, então, que Sílvia achando estranho minha demora, chamou o pessoal da Química que ainda estava no Escola e todos correram para o banheiro. Quando entraram, flagraram o amigo de Montenegro me dando um chute no rosto. Eu estava caído no chão e não conseguia me por de pé.

Eu tava não quebrado no chão que ouvia apenas a Sílvia berrando:

- Tu vai se fuder, Montenegro, tu vai se fuder.

Houve o maior pau de briga no banheiro e uma dos meus companheiros, o Dimas, quebrou o braço de Montenegro. Tudo acabou quando o serventes do colégio vieram e acabaram com a pancadaria.

Fui levado para a casa de Carlos que morava atrás da Escola Marvin e o pai dele foi me deixar em casa. Eu cheguei em casa mais quebrado do que arroz de terceira. Sem contar o esparro da dona Augusta, que só não me bateu porque eu já tinha apanhado demais.

Na semana seguinte, o pai de Montenegro pagou meus óculos novos, mas o grandalhão começou a gozar com minha cara na Escola. Toda vez que eu passava, ele perguntava:

- Gostou da mijada, quatro olhos?

Eu nada respondia, mas numa bela segunda-feira, em que ele, Montenegro, com uma ressaca tremenda pediu um caldo de carne, aproveitei a oportunidade. Enquanto ele se virou para falar com um amigo, enchí seu caldo com areia fina da praia. Ele provou o caldo e gritou:

- Diabeisso, seu Almir, o caldo tá chei de terra!!!

Ele se virou e deu de cara comigo rindo e perguntou:

- Foi tu, veado, que botou areia no meu caldo?

Eu estava fumando. Enchi a boca de fumaça, me aproximei dele e dei uma baforada de fumaça bem na cara dele e disse ao seu ouvido:

- Só pra te lembrar que ainda lembro da tua mijada, filho da puta.

Estava começando uma guerra em que eu ia ganhar e seria uma vitória que ficaria na memória da Escola Marvin naque ano de 1981.

Fortaleza, 13 de março de 2020.

Causos & Prosas Onde histórias criam vida. Descubra agora