Eu gosto de muitas coisas. Amo ver séries criminais, vídeos de cachorros correndo atrás de pessoas, gatos pulando e caindo, comer pizza e tomar refrigerante no chão do quarto, andar de bicicleta ou correr de manhã bem cedo. Mas nenhuma dessas coisas chega tão perto da sensação excitante que me dá fumar no banheiro do Instituto. Com certeza se eu fizesse uma lista das coisas que mais amo, fumar no toalete estaria no top três.
Logo que saio do compartimento, paro subitamente segurando a porta com o leve susto ao ver alguém lavando as mãos. Nem havia me dado conta de que tinha outra pessoa comigo ali, embora fosse algo bem óbvio.
– Pastorzinho – falo ao pousar as mãos no balcão da pia e soprar uma nuvem de fumaça no ar, observando Israel Brandão lavando suas enormes mãos. – Quer dar uma tragada?
Mordo o lábio inferior segurando o riso.
– Só podia ser você – murmura sem tirar os olhos das mãos sob a torneira.
– O quê? Ninguém mais fuma aqui?
– Nem todo jovem de dezesseis anos é suicida.
– Por que eu estaria encaixado na porcentagem que é, então?
Ele ergue o olhar e encara meu reflexo no espelho. Seus olhos seguem do cigarro em minha mão até meus próprios olhos.
– Você sabe que cigarro causa câncer, não sabe?
– Ah – levo o cigarro até a boca e dou outra longa tragada, depois o apago e jogo na lixeira. Sento-me sobre o balcão da pia. – Um monte de coisas causa câncer. Agrotóxicos, comidas ultraprocessadas, a poluição do combustível dos carros... enfim, uma infinidade de fatores que eu poderia passar a vida inteira citando, mas já cansei. E por que só eu que sou suicida? Sua lógica é um tanto tênue.
Israel seca as mãos e cruza os braços sobre o peito. Ele está ridículo com o cabelinho engomado e o terno sem graça, mas ainda assim, eu o acho pegável. Pena que é pecado. Deve ser pecado ironizar o pecado, ou seria blasfêmea? Acho que tudo é a mesma coisa.
– Todos esses fatores que você citou estão além do nosso alcance. Não é algo que possamos controlar.
Gargalho e, só para deixá-lo mais nervosinho, pego o cantil em meu blazer.
– Resposta errada, irmão. Podemos consumir alimentos sem agrotóxicos e eliminar os ultraprocessados do nosso cardápio, e os carros que são a combustível podem ser substituídos por elétricos.
– Você trouxe um cantil com álcool para o Instituto?
A expressão no rosto dele me faz dar uma gargalhada. O que achou que eu fosse levar? Um troféu de aluno do ano? Até poderia, mas prefiro deixá-los guardadinhos na estante em meu quarto.
– Servido? – ofereço o cantil a Israel e quando recusa, dou de ombros e tomo um gole.
– Mais uma prova de que você é mesmo suicida. Mesmo depois de tantos anos ainda me surpreendo com você – ele balança a cabeça. – Pessoas do seu jeito precisam de salvação. Sinto pena do caminho que escolheu.
Ele me dá as costas e, como sempre, suas palavras medíocres e hipócritas me fervem a cabeça. Pulo do balcão e agarro seu braço bem na hora que ele toca a maçaneta. Então, olhando em seus olhos, minha boca se abre e eu digo as palavras calmamente.
– Vá... se... foder! Israel Brandão.
Israel puxa o braço e sai pisando pesado, enquanto eu tomo outro gole de whisky. Que se foda o que ele pensa.
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Herdeiros
Teen FictionSuzane é doce, simpática, calma e uma garota de coração gigante. E, embora seu coração esteja em pedaços, ela sabe que tem que ser forte, mas às vezes não consegue isso e depende do irmão para se manter de pé. Xavier é o completo oposto da irmã. Tem...