Xavier

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– Bom dia, pessoal. Mais um ano aqui e, vejamos quantas caras novas... Ah, muitas.

Bruna Costa é a nossa professora de artes gerais desde o início do fundamental. Ela conhece a maioria dos que estão sentados à sua frente, mas quer passar a imagem de acolhedora aos novatos. Seus olhos, enormes por causa das lentes fundo de garrafa, passeiam pela turma e eu baixo a cabeça para que ela não note que o canto da minha boca está vermelho. Ainda consigo sentir um pouco do gosto de sangue.

– Estou sentindo uma aura meio estranha aqui – comenta. – O ar parece estar um pouco pesado.

A turma permanece em silêncio evitando qualquer comentário a respeito do que aconteceu mais cedo. Mas se tem uma coisa em que Bruna é ótima, é se meter no que não é de sua conta. E ela é muito boa em reparar detalhes.

– Ah! Xavier Franco cabisbaixo? – Ela sorri como se tivesse matado a charada. – Pode olhar para mim, querido? E você, prodígio, por que está... esqueçam – sei que ela está abanando as mãos e balançando a cabeça. – Vou ignorar totalmente a briga que você começou, Xavier, porque é o primeiro dia de aula e o prodígio poderia sair muito mais prejudicado que você. Mas sugiro que isso não se repita, pois não tolerarei qualquer tipo de violência em minha turma.

– E se eu mesmo for à diretoria contar? – digo levantando o olhar. – Será que consigo a expulsão dele ainda hoje?

Alguns riem, mas a voz de Suz me repreendendo se sobressai às demais.

– Na verdade – a professora dá alguns passos à frente –, se você ousar prejudicar alguém, estarei lá para reverter a situação como sempre fiz. Contudo, este ano espero que você tenha consciência de que não irei mais passar a mão em sua cabeça.

– Vai ser uma grande perda – comento.

– Há outros muito talentosos aqui na turma que poderiam substituí-lo facilmente.

O pessoal assiste enquanto trocamos farpas, concentrados e calados, porque aqui muita gente não tem coragem – ou status – suficiente para encarar os professores. Eu faço isso com tranquilidade, pois sei que nunca me tirarão do Instituto porque eu e minha irmã, literalmente, somos o marketing inteiro da escola. Além do meu pai que é um dos maiores contribuintes, claro. Ninguém ousaria tocar no filho do governador e da estrela internacional Madalena Franco.

– Sabemos que Suz e eu sempre seremos os primeiros da lista – eu dou uma piscadela para a professora que revira os olhos e se concentra na turma inteira.

– Bom, pessoal, sejam todos muito bem-vindos. Iniciamos, este ano, o ensino médio. Vocês estarão ingressando na vida adulta a partir de hoje e quando darem adeus aos portões do Instituto estarão preparados para encarar o mundo. Como a maioria sabe, nesta instituição a forma de ensinar não é tão convencional como as outras, por isso somos referência não só aqui no país, como fora dele. Temos nossos próprios métodos de ensinar aos nossos jovens sobre o mundo...

Bruna continuou falando sem parar, vangloriando o Instituto e suas formas lúdicas de preparar a gente para o mundo sem esquecer de valorizar toda e qualquer expressão artística. Eu parei de ouvir quando ela começou a mencionar exemplos de alunos que saíram do Instituto e se tornaram grandes nomes da indústria artística em geral, incluindo minha mãe. Todo aquele discurso eu já sabia de cor e ter que ouvi-lo todos os anos tinha se tornado uma tortura para os meus ouvidos.

– Antes que saiam, quero um segundo – Bruna diz quando o sino do intervalo toca ao fim da aula. – Esse ano trabalharemos com trios. Sorteei os nomes em minha casa para que vocês não contestassem quem seria seus parceiros. Ei, atenção aqui, rapazes – ela agita a mão em sinal para que Arthur Boaventura e Luciano Frazão se sentem, enquanto distribui folhas em cada carteira. – Isso se trata de um trabalho extracurricular, mas também servirá como critério para avaliação, ou seja, vocês tem que dar o seu melhor.

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