Herdeiros

Suzane

– Xavier – chamo pela quinta vez e finalmente ele demonstra sinais de que está acordando. – Acorda, quero falar com você.

Xavier se remexe na cama e resmunga alguma coisa antes de abrir os olhos. Ele pisca algumas vezes, suas sobrancelhas juntas enrugando a testa e bocejando. Aguardo seus olhos confusos focarem em mim para poder iniciar a conversa.

– Que horas são? – sua voz soa mais rouca que o normal.

– Meio-dia – digo.

– Por que me acordou tão cedo? É domingo.

Ele se vira para o outro lado e cobre a cara com o cobertor, mas eu o puxo para longe e pego seu rosto entre as mãos.

– Abra esses olhos e escute o que tenho para te falar – insito imaginando que sua reação não será a melhor, embora eu queira que ele receba bem as condições que irei impor. – Papai quer falar com a gente antes de sair.

– Eu não tenho nada para falar com ele.

– Claro que tem. Devemos desculpas pelo que fizemos, e eu não vou assumir a culpa por você desta vez.

– A ideia da festa foi sua – murmura ao se sentar na cama.

Se ele acha que dessa vez vou arcar com todas as complicações causadas pelo próprio, está enganado. Fui bem clara com Xavier ao recusar a proposta de dar uma festa, mesmo assim ele deu um jeito de me colocar à frente do seu projeto. Ele que assuma as consequências dos seus atos.

– Bem que você queria que tivesse sido – falo e continuo: – Papai está uma fera e eu não vou sair como a culpada da história. Você nos colocou nessa emboscada, então é seu dever moral nos tirar dela.

O cabelo de Xavier está bagunçado, espetado para cima só que sem gel. Sua cara de ressaca até me faz ficar com um pouco de dó dele, porém uma voz no fundo da minha me mente diz que ele é trapaceiro e pode estar usando alguma técnica de persuasão comigo. Devo me atentar mais aos seus truques.

– Minha cabeça está a ponto de explodir –  ele suspira e eu sorrio sem que perceba porque era o que esperava que ele fizesse. – Sabe que você é a favorita dele... pode muito bem contornar a situação se quiser.

Nego com a cabeça me recusando a aceitar esse papo.

– Pare de imaginar coisas. Esta é uma ocasião em que você vai se dar mal pelo que fez. A gente tem que perder de vez em quando, maninho – dou de ombros.

Xavier é muito bom em se esquivar. Ele tem uma facilidade absurda de mudar a mente das pessoas apenas com as palavras e elas começam a agir a seu favor sem nem ao menos perceber. Digo isso por experiência própria. Várias vezes caí em seus jogos articulados sem me dar conta do que estava fazendo porque ele sabia que se fosse direto comigo, como ao me pedir para ser a anfitriã da festa, eu recusaria. Tenho que admitir que suas táticas são inquestionavelmente boas. Só que estou melhorando em me defender delas.

– Suz, eu não vou admitir que fui eu que planejei a festa, pode esquecer. Se eu fizer isso ele vai aproveitar para me ferrar – a forma como ele se refere ao nosso pai faz meu peito pesar.

– Isso é o mínimo que tem que fazer, Xavier – argumento. – Está sendo egoísta querendo deixar que eu me dê mal para defendê-lo. Meu pai está certo em estar chateado com a gente, sim. Como ele mesmo disse, só tínhamos duas regras e as quebramos. Você, no caso. Sua imprudência nos trouxe aqui. De novo – dou ênfase na última frase.

Xavier sai da cama bufando de raiva, mas não me importo.

– Minha cabeça está explodindo, você pode sair, por favor – fala apontando para a porta.