Suzane

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– Você acha que ele vem?

Eu olho para o meu irmão, mas ele está concentrado na faixada luminosa do colégio. O canto de sua boca está erguido em um quase sorriso que se desfaz quando minhas palavras chegam até seus ouvidos.

– Não. – Reponde secamente. – E para mim não faz diferença.

– Mas faremos um tributo à mamãe. Ele tem que vir – digo a última frase com pesar na voz, pois sei que Xavier está certo.

Papai já não é mais o mesmo de antes. Parece que ele morreu junto com mamãe, um ano atrás. Nem seus olhos são mais os mesmos, porque o brilho se apagou.

Xavier se vira para mim e o sorriso retorna ao seu rosto.

– Suz, subiremos àquele palco e cantaremos lindamente para nossa mãe, não importa quem esteja na plateia. Todos anseiam pelo canto dos Irmãos Franco. Somos a atração principal desta festa, ainda que finjam que os... – ele revira os olhos. – Os novatos sejam tão importantes quanto.

Suas mãos estão em meus ombros em um gesto paternal, acariciando minha pele nua para me reconfortar. Retribuo suas palavras com um sorriso discreto. Xavier sempre sabe o que dizer e sempre está ao meu lado para me ajudar. Eu o amo mais que tudo.

– Está vendo isso? – ele continua, apontando com o dedo para o tapete vermelho, para os paparazzis que estão do outro lado das faixas tirando suas fotos, para a decoração dourada e rubra até a entrada do Instituto. – Isso é uma celebração ao novo ano, maninha. A noite vai ser longa, então temos que aproveitá-la ao máximo.

Discretamente Xavier me mostra um cantil prateado no bolso interno do blazer. Eu ergo uma sobrancelha questionadora, mas ele age como se não tivesse visto e me abraça, beijando-me a testa.

– Finja que estamos bem. Não os deixe sentir pena de nós, porque não precisamos de suas condolências – fala com a voz mais séria. – E não estrague sua noite se ele não aparecer.

Eu suspiro em seu peito tentando absorver todas as suas palavras, mas meu peito está apertado. No fundo, mesmo que eu suprima essa vontade que tenho de que meu pai esteja presente aqui hoje, ela acaba por me abalar. Tenho medo que não apareça. Sei que pode ser difícil para ele, mas para nós também é. E estamos aqui mesmo assim.

Tudo desmoronou depois que ela se foi. A grande estrela, o maior ícone da música popular brasileira da década. Shows nacionais e internacionais lotados, milhões de fãs enlouquecidos. Um furacão. Voz única. Beleza inigualável. Madalena Franco. E tudo se foi tão subitamente que ninguém conseguia acreditar naquela noite de 05 de janeiro. O país inteiro parou, a América do Sul abraçou o Brasil em seu luto. O mundo ficou perplexo com a perda precoce do fenômeno da MPB.

Mas o luto deles foi temporário. O nosso ainda persistia em ficar. Ou o meu, pelo menos.

Às vezes, quando sinto muito sua falta, ainda a ouço cantar. Sua voz soa aveludada em meus ouvidos, como o canto de um pássaro pela manhã em um dia ensolarado.

– Vamos entrar porque estão começando a se aproximar – Xavier aponta para os paparazzis. – Sorria e acene, querida.

Então ele segura minha mão e me leva consigo pelo tapete vermelho degraus acima. Faço exatamente o que Xavier me instruiu: sorrio e aceno. Os flashes me incomodam, mas parecem não fazer o mínimo efeito em meu irmão. Ele está acenando e seu sorriso mais largo estampa o rosto perfeitamente desenhado. Ouço gritarem seu nome e o meu ao mesmo tempo, pedindo para que olhemos em diversas direções. Meu irmão para no meio da escada e me obriga a fazer o mesmo.

– Aqui, Xavier! – alguém grita.

– Sorria, Suzane! – outra voz se sobrepõe.

Congelo minha boca em uma só posição até chegarmos ao hall de entrada do Instituto, onde escondo os dentes e solto o ar.

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