Herdeiros

Xavier

Tudo está girando ao meu redor. Ainda que Júlio esteja ao meu lado, eu não consigo enxergar bem seu rosto porque está borrado, como o das outras pessoas. As minhas pernas estão bambas e quando dou um passo, parece que estou pisando sobre uma nuvem que flutua para o alto e depois desce vagarosamente.

Sei que estou bêbado. Todo mundo sabe, na verdade. Suz está irritada por isso, mas quem liga? Que se dane. Jamais deixaria de aproveitar uma festa em minha casa por causa do meu pai que está Deus sabe onde.

Me sinto suado demais e a sensação da blusa grudando em minha pele me irrita um pouco. Tento entender o que minha irmã está dizendo, mas sua voz é engolida pela música alta e, ali embaixo, ela fica tão pequena que parece uma bonequinha de plástico. Acho que quer que eu desça da mesa, mas, caramba, aqui está bom demais! Sob meus pés tem garrafas quebradas e copos amassados, um pouco de comida também. Como estou imundo, penso.

– Não estou ouvindo o que você está falando – respondo para Suz gesticulando para o meu ouvido.

Continuo dançando e ignorando ela, cantando tão alto quanto consigo. Todos estão se divertindo para caralho, então por que Suz está me incomodando? Sinto as mãos dela em minhas pernas, mas afasto seu toque. Júlio também está com ela e ainda que esteja rindo de mim, ele está do lado da minha irmã gesticulando para que eu desça da mesa.

– Não! – grito com um sorriso tomando meu rosto inteiro. Viro a garrafa que tenho nas mãos e mais uma onda de vodca desce queimando minha garganta. Mostro a língua para os dois chatos.

– Desce daí, cara – Xavier agarra meu braço. Mas Xavier sou eu, certo? Como eu posso agarrar meu próprio braço e me puxar para o chão? Estou rindo disso. Foi Júlio quem me tirou de cima da mesa.

– O que achaque a gente pularna piscina? – sugiro.

Espero que tenha compreendido o que eu quis dizer, mas sua expressão sugere que não.

– Suz, maninha, vem cá – estico o braço para minha irmã querida. – Você quer pular na piscina comigo?

Ela nega com a cabeça e eu não gosto muito que recuse meu pedido, porque sei que ela só o faz por estar com vergonha daquele garoto novo. Quem se importa com aquele morto de fome?

– Pufavôoo – imploro. – Euvossó.

Nem eu compreendo mais o que estou dizendo, mas sei o que quero fazer. Tento me livrar de Júlio, mas seu braço está enrolado em minha cintura e o meu está sobre seu ombro com sua mão segurando a minha, então é complicado me libertar. Caminhamos cambaleantes entre a galera, esbarrando em quem está na frente. Ele não está indo em direção a piscina, mas sim para dentro de casa.

– Espera! Eu quero pular na piscina, mano! Me deixa pular – forço meu corpo para ir na direção contrária a que estão me levando.

– Não, Xavier – Suz se irrita. – Já deu show demais por hoje.

– Mas eu quero – estou irritado também, porém minha voz sai dengosa e eu detesto isso. – Vai lá com o seu namoradinho pobretão e me deixa em paz.

– Xavier!

Consigo me desvencilhar de Júlio por um segundo e saio correndo para a piscina. Eu vou pular na água e ninguém pode me impedir. Estou tão próximo que já sinto a água fria me molhando, prestes a me jogar lá dentro.

Então, eu escorrego em algo no chão antes de me aproximar o bastante.

Mãos surgem de todos os lados para me agarrar antes da minha bunda chegar ao chão. Sinto um peso a mais vindo sobre mim e começo a rir histericamente quando noto que se trata de Suz. Ela está zangada, mas não consegue se conter e gargalha também. Algumas pessoas riem da gente, mas a maioria nem presta atenção porque estão tão bêbados quanto eu estou – ou mais.